ISSN 2359-5191

06/04/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 33 - Economia e Política - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Queda da popularidade do PT na periferia evidencia novos arranjos eleitorais
Deflagrada em função de escândalos de corrupção, perda de confiança de parte do eleitorado no partido pode resultar em novas preferências de voto

Em 1980, sob o afã das massas, fruto de um movimento de base popular e tendo na periferia a origem de muitos de seus militantes, nasceu o Partido dos Trabalhadores (PT). Quase trinta e seis anos após sua fundação, depois de quatro eleições presidenciais vencidas e atualmente na direção da prefeitura paulistana, a sigla continua a ser influente em bairros periféricos da cidade, embora tenha perdido em confiança do eleitorado. A razão disso é simples: escândalos de corrupção abalaram a aprovação dos votantes, e assim, hoje, parte da periferia prefere votar em partidos conservadores. Essa é a leitura de Camila Rocha, mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, cuja dissertação analisou voto na periferia e lulismo, conceito do cientista político e orientador de seu trabalho, André Singer: “O interesse do estudo era perceber como pessoas da periferia se relacionavam com o PT e o lulismo, e notar qual o impacto dessa interação no comportamento eleitoral”, afirma ela.

Algo “não muito usual”, como diz Rocha, no campo da ciência política, a utilização do método etnográfico se provou eficaz para se aproximar dos moradores do bairro da Brasilândia, zona noroeste da cidade, onde se empreendeu o estudo. “Na etnografia, a tendência é que você faça as relações menos artificiais possíveis, permitindo ver por que as pessoas tomam certas escolhas eleitorais e por que se comportam de certas formas”, diz a pesquisadora. Isso figura em sua dissertação especialmente quando se refere à sua fonte fundamental, a ex-militante do partido, Maria Teresa. Segundo Rocha, Teresa foi um parâmetro acerca de sentimentos de aprovação e profunda frustração em relação ao partido, isto último em parte pela moderação que o PT adotou, em parte pelos casos de corrupção nos quais esteve envolvido. “Provavelmente, quanto mais próximo uma pessoa estava do núcleo de militância do partido - como estava Teresa - nos anos 80, num bairro de periferia de São Paulo, mais forte deve ser a sensação de que sigla e governo vieram a tomar uma direção com a qual eles não concordam”, comenta ela.

O que de fato impactou negativamente a percepção da maioria do eleitorado, entretanto, na opinião da autora do trabalho, “foram as denúncias do Mensalão e da Lava-Jato, e não a moderação”. A postura conciliadora, que teria permitido ao partido a execução de mudanças sociais sem rupturas com a ordem vigente, está descrita no conceito de lulismo empregado por Singer: para o cientista, esse fenômeno incorpora tanto características de esquerda - pretensão de mudanças sociais - como de direita - manutenção da estrutura político-social. Para Rocha, a moderação, ainda que importante para os governos petistas, podia ter sido posta de lado especificamente no segundo mandato de Lula, de altas taxas de aprovação, para dar lugar à implementação de um programa de reformismo forte no país. “Creio que muitas bandeiras históricas, não só do PT, mas da esquerda em geral, foram abandonadas sem sequer serem ventiladas. Por que, por exemplo, não foi feita uma consolidação das leis sociais no Brasil?”, indaga ela. “Nesse sentido, perdeu-se uma oportunidade”, observa a pesquisadora.

Razões para o crepúsculo petista

Rocha identifica também outras razões que explicariam o fracasso em sustentar certas partes do eleitorado antes próximas ao partido, pois entende, grosso modo, que “os governos de Lula ficaram tão identificados com o Bolsa Família que as pessoas - não beneficiadas pelo programa social - pensavam que o governo não fazia coisas para elas.” Isso fez com que uma possível noção de coletividade entrasse em bancarrota. “Antes todos se viam parte do mesmo todo, e achavam certo, parte desse todo receber benefícios, mas isso se desgastou ao longo do tempo”, complementa. Tal discussão relaciona-se com a parte de seu trabalho que analisa os dilemas deflagrados pela era Lula, abordando um debate a respeito de classe e identificação. “É importante discutir se há uma nova classe média no Brasil ou se houve uma expansão da classe trabalhadora, porque as pessoas de uma classe podem se identificar com outra”, afirma. “Se pessoas beneficiadas por programas sociais acham que conseguiram ascender unicamente por esforço próprio, pensamento típico da classe média, isso influi em suas escolhas eleitorais”, argumenta ela. Nesse sentido, então, “o lulismo pode ajudar o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira, oposição), criando identificação com setores de classe média.”

A decadência da popularidade finda, então, em um novo arranjo eleitoral. “Concluí que, com o lulismo em baixa, estava sendo aberto um alinhamento político à oposição, ou, então, que as pessoas fossem se sentir atraídas por lideranças que não fossem de esquerda.” No bairro analisado por Rocha, por exemplo, ainda que Fernando Haddad tenha obtido a maior parte dos votos quando da sua vitória municipal, em 2012, no pleito presidencial de 2014, foi Aécio Neves (PSDB) o candidato que logrou maior êxito, e não Dilma Rousseff, candidata pelo PT.

A autora da dissertação, defendida em 2013, também acredita que germes visíveis nas manifestações de junho daquele ano fizeram andar mais rapidamente um processo de descontentamento cujas condições já se encontravam dadas. “A impressão que tenho da dissertação que fiz em 2013 é que os desdobramentos que previa acabaram acontecendo muito mais rápido do que imaginava”, pontua ela. “A onda de conservadorismo e todo aquele cenário de 2013, das jornadas de junho, fizeram acelerar várias dinâmicas que já existiam na sociedade.”

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