Saber como o clima de uma determinada região irá se comportar nas próximas décadas ou séculos é algo que interessa a muita gente. Em vista disso, a pesquisadora Giselle Utida, do Instituto de Geociências, fez em seu trabalho de doutorado uma investigação a respeito das modificações climáticas que ocorreram no nordeste brasileiro durante o Holoceno (nome dado ao período dos últimos 11.700 anos da Terra, aproximadamente). As informações obtidas sobre esse período poderão ser utilizadas na construção de modelos climáticos, que são ferramentas importantes na formação de hipóteses a cerca do futuro do clima da região analisada.
Para desenvolver a pesquisa, Giselle escolheu propositalmente dois pontos localizados no litoral do Rio Grande do Norte, onde apenas um sistema meteorológico, a Zona de Convergência Intertropical (em inglês, ITCZ), exerce influência climática: cavernas do município de Felipe Guerra e a Lagoa do Boqueirão.
Foram retirados espeleotemas (formações rochosas que são resultado da sedimentação e cristalização de minerais dissolvidos na água) das cavernas e porções de sedimentos da lagoa para análise. A pesquisadora fez, então, o processo de datação de ambos, a partir do qual constatou-se que poderia se analisar o clima dos últimos 2.500 anos. Como buscava-se obter informações a respeito da evolução climática com relação às chuvas, Giselle realizou a análise de isótopos de oxigênio, nos espeleotemas, e de isótopos de hidrogênio, já que estes são os elementos que refletem a composição da água.
No caso dos sedimentos coletados na lagoa, foi necessário realizar a purificação deles, ou seja, isolar apenas os lipídeos, de onde, então, foi retirado o hidrogênio para análise. Todo este processo foi realizado pela pesquisadora em laboratórios da França e da Alemanha. A partir daí, então, pôde ser feita a comparação dos resultados dos isótopos de oxigênio e do hidrogênio com os isótopos da água.
Importância dos resultados
A pesquisa mostra que, a partir de mais ou menos 2.300 anos atrás, houve o início de uma instabilidade nos valores relativos aos dois tipos de isótopos estudados, demonstrando correlação entre eles e também mudança no clima corrente. Verificou-se, também, a existência de três períodos significativos ocorridos durante o tempo estudado.
O primeiro, entre os anos 250 e 400 (anos de calendário), foi caracterizado por grande ocorrência de chuvas na região. O segundo, que compreende cerca de 400 anos (entre os anos 1.100 e 1.500), teria sido um intervalo de grande seca no nordeste; este período equivale ao que é comumente conhecido como Período de Anomalia Climática Medieval, que ocorreu no hemisfério norte (onde foram registrados verões extremamente quentes), e refletiu numa significativa fase de secas no hemisfério sul. Segundo Giselle, “essa é uma das provas que sugerem que a circulação oceânica está envolvida nas alterações climáticas em várias regiões do planeta”. Já o terceiro período aconteceu por volta do ano 1.750 e teria tido uma duração de aproximadamente 300 anos, concomitantemente com a Pequena Era do Gelo, que foi marcada por invernos rigorosos ocorridos no hemisfério norte da Terra, ao mesmo tempo em que um aumento expressivo de umidade foi registrado na região brasileira de estudo.
Desde o ano 1.500 até os dias de hoje, o nordeste teria tido um aumento nas suas condições de umidade, o que aparenta contrastar com os dados fornecidos pelo Banco de Dados Meteorológicos para Ensino e Pesquisa do INMET (Instituto Nacional de Meteorologia), que mostram como a região vem sofrendo um aumento de suas condições de seca desde a metade do século 20. Porém, o que vale ser ressaltado é que a escala temporal deve ser considerada ao se analisar os resultados obtidos, pois a escala utilizada por Giselle em sua pesquisa é baseada em séculos, ou seja, pode trazer impressões climáticas de um grande período diferentes das registradas nas últimas décadas no Brasil.
Segundo a pesquisadora, seu trabalho ganha importância por investigar causas e consequências de episódios meteorológicos ocorridos antigamente, mas, principalmente, a partir do momento em que “informações do passado são necessárias para se fazer um banco de dados e, assim, poder-se montar um perfil da evolução climática da região e então tentar prever o futuro do clima”. Com isso, diversos setores da economia, como a indústria e a agropecuária, ou mesmo, responsáveis pelo planejamento social e urbano, por exemplo, poderão ser auxiliados na programação de suas ações com a criação e o aperfeiçoamento desses modelos climáticos.