Em 2014, a OMS registrou 1,5 milhões de mortes ligadas à tuberculose (TB) no mundo e um total de 9,6 milhões de novos casos de infecção pela bactéria. Apesar disso, avanços nos métodos de diagnóstico e tratamento da doença contribuíram para que o seu índice de mortalidade fosse reduzido em 47% desde 1990. Um dos ramos do conhecimento que torna a detecção da bactéria mais rápida é a biologia molecular, cuja eficácia do método de reação em cadeia da polimerase (PCR) em amostras contaminadas pelo Mycobacterium tuberculosis foi o alvo de estudo de Gabriela Carnevale em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Medicina da USP.
A reação em cadeia da polimerase é um método de amplificação de cadeias de DNA, isto é, de replicação do material genético. Com isso, a capacidade de detecção do agente é maior, potencializando o diagnóstico de doenças infecciosas, que incluem a tuberculose. É uma técnica que depende muito, no entanto, da qualidade pré-analítica das amostras que são apresentadas aos laboratórios clínicos.
“Escolhe-se um fragmento do DNA da bactéria que é específico dela, que nenhuma outra bactéria tem igual. A partir desse fragmento, são feitas várias cópias, e com isso chega-se em uma quantidade suficiente de DNA para se detectar a doença”, explica Gabriela. “Se a amostra não tem o DNA da bactéria causadora, não existirá o fragmento específico para ser amplificado, logo, o resultado será negativo”, completa.
O primeiro passo é extrair o DNA presente nas células das amostras enviadas ao laboratório. No caso da TB, as amostras comumente enviadas são escarro (secreção do pulmão), lavado broncoalveolar (solução salina que “lava” o pulmão) ou líquido pleural (líquido presente na pleura, pele que envolve os pulmões e as costelas). Em seguida, “é preciso destruir toda a parede da bactéria e das células para deixar o material genético exposto. Com isso, tem-se só o DNA, e elimina-se todo o resto”, diz a pesquisadora.
Depois disso, o DNA está pronto para ser amplificado. O problema, contudo, é a possibilidade de haver interferentes que atrapalhem na identificação do material genético. Em uma amostra que contenha uma quantidade muito grande de hemácias (amostra hemorrágica), por exemplo, é possível que não se consiga identificar o DNA da bactéria. “Nem sempre se recebem amostras ‘perfeitas’, às vezes a pessoa tem algum outro problema, uma outra doença, e acabam vindo amostras mais hemorrágicas, o que pode atrapalhar a reação em cadeia da polimerase, e isso é comum”, esclarece Gabriela.
Desse modo, ela lembra que a técnica é um método complementar no diagnóstico da tuberculose. Os meios mais comuns para se detectar a presença ou não do M. tuberculosis continuam sendo a baciloscopia e a cultura, que consistem em encontrar a bactéria na amostra analisada. Só que, no caso da cultura, é preciso esperar a bactéria se proliferar para que se consiga visualizar a atuação do micro-organismo e possivelmente o identificar naquele ambiente.
Assim, considerando o tempo de proliferação, o resultado das análises por cultura pode demorar até dois meses para ficar pronto. Com a reação de PCR, esse período cai para cinco dias, fato que o torna atrativo apesar dos interferentes identificados na pesquisa. Por que o método, então, não é mais difundido? “Muitos laboratórios e hospitais, por essa ser uma técnica muito cara de biologia molecular, não têm condições de bancá-la, então acabam usando só a cultura e a baciloscopia mesmo, mais baratas, porém mais demoradas”, Gabriela justifica.
Diante disso, uma das iniciativas do Ministério da Saúde foi disponibilizar um equipamento, denominado “Gene Xpert”, que realiza o teste da doença em apenas duas horas. As 160 máquinas adquiridas foram distribuídas por todas as capitais e pelas cidades mais afetadas pela tuberculose no Brasil. A meta estabelecida pelo governo federal é de que até 2035 os casos de óbito pela TB sejam reduzidos em 95% no país.
O jogador Thiago Silva, que já contraiu a tuberculose, foi escolhido para ilustrar a campanha “Testar, tratar, vencer” do Ministério da Saúde em 2015. Fonte: Divulgação/Ministério da Saúde
Longe do fim
Além da biologia molecular, a genética também é usada para investigar a TB e auxiliar no seu combate e prevenção (leia matéria publicada pela AUN). A persistência da infecção, porém, ainda é realidade no Brasil e no mundo e está muito ligada a condições socioambientais a serem superadas. “Há muitos casos de tuberculose principalmente onde as pessoas ficam mais concentradas, como em presídios e favelas, onde há grande quantidade de pessoas em um pequeno local. Com isso, as condições de higiene são menores, e há maior propagação da bactéria”, alerta a pesquisadora.
Outro problema é o período longo de duração do tratamento: são nove meses. A chance de desistência, então, é muito grande. “Muitas vezes as pessoas desistem porque começam a melhorar e pensam que não precisam mais da medicação, só que a bactéria ainda está presente no organismo — em menor quantidade, por isso os sintomas não são sentidos, mas ela continua lá”, reflete Gabriela. A ideia agora é expandir, portanto, o medicamento 4x1, que reúne quatro dos principais ativos de combate à doença em um único comprimido a ser ingerido diariamente.