ISSN 2359-5191

26/04/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 45 - Meio Ambiente - Instituto Oceanográfico
Pesquisa pioneira estuda transformações em reserva biológica marinha no Rio Grande do Norte
Estudo do Instituto Oceanográfico se dedicou a observar a hidrodinâmica no Atol das Rocas e sua influência sobre mudanças na região
Atol das Rocas. / Foto: Acervo Tamar/Divulgação

A Reserva Biológica do Atol das Rocas, administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), é a primeira unidade de conservação marinha do Brasil e guarda o único atol do Atlântico Sul. Esse tipo de formação compreende um recife oceânico anelar que circunda uma laguna que pode ou não conter ilhas. O Atol das Rocas possui, no interior do anel, duas pequenas ilhas que, por se encontrarem em um ambiente de alta energia, mudam de forma muito rápido. Com isso em mente, a pesquisadora Mirella Costa do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP) dedicou-se a entender essas mudanças e os fatores que as influenciam.

A pesquisadora explica que o estudo da hidrodinâmica em atol é inédito no Brasil, uma vez que existe apenas um em nosso território. Ela ressalta que, ainda que muitas pesquisas já tenham sido realizadas no Pacífico e no Índico, o estudo do Atol das Rocas se diferencia por estar em uma região onde a maré varia quase três metros de altura (sistema de mesomaré), enquanto a grande maioria dos atóis se encontra em locais onde a maré varia cerca de um metro (sistema de micromaré). A pesquisa revelou que essa diferença tem extrema importância no funcionamento interno, influenciando diretamente no comportamento das correntes, na forma como os sedimentos são transportados e, portanto, nas transformações morfológicas das ilhas.

Ao falar sobre as motivações da pesquisa, Mirella explica que as rápidas mudanças pelas quais as ilhas passam foram um fator essencial, juntamente à ausência de informações acerca da hidrodinâmica da reserva. “Tínhamos vários indícios de erosão acontecendo, por exemplo um farol que foi construído em 1935 no meio da ilha, atualmente ele se encontra destruído e na linha d’água, então vimos que a ilha mudou muito. Uma base de pesquisa foi construída em 2003, e em 2008 ela foi construída em outro local porque o mar avançou sobre ela. Queríamos entender como isso acontece”, ela conta.

 


Métodos e descobertas

Sob a orientação do professor Eduardo Siegle do IO, o apoio do analista ambiental, Eduardo Macedo, e da chefe da reserva biológica, Maurizélia Brito, e sua equipe, Mirella visitou a região três vezes ao longo de seu doutorado para coletar informações, analisá-las e compará-las. Ela atenta para o fato de que o acesso à unidade de conservação é complicado, se comparado a trabalhos realizados na região costeira, “a reserva tem uma dificuldade de logística muito grande, temos que pegar um veleiro contratado pelo ICMBio em Natal, viajar cerca de vinte e quatro horas e ficar lá por trinta dias, que é quando o veleiro volta para a troca de equipes. Então tem que ser tudo bem planejado porque, uma vez lá, nós não temos mais acesso a nenhum equipamento de fora”. O desenvolvimento da pesquisa de Mirella foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Para coletar os dados, a pesquisadora e sua equipe se utilizaram de equipamentos que registram as características das ondas, correntes e marés, a profundidade da laguna e a morfologia das ilhas e do anel do atol. A partir desses dados e da implementação de um modelo numérico utilizado para fazer simulações de ondas, correntes e marés, eles estudaram os processos de transformação das ilhas ao longo do tempo e construíram, pela primeira vez, um modelo digital de elevação de toda a região. Ela conta que a partir dele é possível prever o comportamento do mar frente ao formato das estruturas. “Observamos um mecanismo de circulação diferenciado para o Atol das Rocas, que ainda não havia sido descrito em outros atóis”, Mirella explica.

Além disso, o estudo foi capaz de estabelecer projeções sobre prováveis transformações que as ilhas possam vir a sofrer, principalmente quanto à previsão de um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) segundo o qual o nível do mar pode subir mais de um metro até o ano de 2100. Mirella conta que, apesar de ter constatado a estabilidade da menor ilha (Ilha do Cemitério), o aumento do nível do mar favorece o deslocamento da maior ilha (Ilha do Farol), onde fica a base de pesquisa, para o centro da laguna devido à diferença de dissipação de energia das ondas em cada face, e a consequente mudança da posição da zona de convergência, região de baixa energia que favorece o acúmulo de sedimentos. “Dados pretéritos obtidos nessa pesquisa mostram que esse processo de migração da ilha em direção à laguna já tem ocorrido na Ilha do Farol nas últimas décadas. Contudo, isto não implica em uma erosão generalizada frente ao aumento do nível mar, mas em um reajuste no depósito sedimentar”.

A pesquisadora explica que, além do processo de migração, um canal conhecido como Baía da Lama se formou na Ilha do Farol. Em seu pós-doutorado, ela tenta analisar questões que não conseguiu em seu doutorado, “o que também estamos estudando hoje é a influência do canal, que bifurcou e destruiu parte da vegetação ao seu redor em apenas quatro anos. Na maré alta, ele toma conta de grande parte do interior da ilha. Existem dois pontos críticos em que o canal está erodindo a ilha por dentro, o que pode resultar em um rompimento dela e, neste caso, em bruscas modificações em sua forma”.

Esse estudo, por trazer informações que antes faltavam, pode servir como base de dados para que biólogos que estudam, por exemplo, os peixes e corais do atol possam estabelecer relações sobre ondas, correntes e marés para melhor entenderem a vida no local. Além disso, a pesquisa soma dados de hidrodinâmica em sistema de mesomaré, que hoje ainda são poucos, à ciência internacional, que, segundo Mirella, só recentemente passou a se interessar pelo assunto. Por fim, a pesquisadora conta que a realização de projeções sobre o futuro dessas ilhas é muito relevante porque, ainda que o Atol das Rocas não seja ocupado por humanos, algo que acontece em outras regiões do mundo, ele é de extrema importância para seres vivos da região. Algumas espécies de aves e tartarugas, por exemplo, têm o solo das ilhas do atol como único lugar seguro para estabelecer ninhos, uma vez que a ocupação de Fernando de Noronha e a consequente introdução de outras espécies na região o tornaram um local perigoso para as espécies locais. Assim, se essas ilhas diminuíssem muito de tamanho, poderia significar um risco à biodiversidade do Atlântico Sul.


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