ISSN 2359-5191

27/04/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 46 - Sociedade - Faculdade de Medicina
Violência prejudica atuação de agentes comunitários da saúde em Unidade Básica
Profissionais sentem-se ameaçados pela ação de grupos que comercializam e gerenciam tráfico de drogas na região e pela presença ostensiva e arbitrária da polícia
Uma das funções dos agentes comunitários de saúde é a realização de visitas domiciliares para a promoção de ações educativas. Imagem: Valdecir Galor/SMCS

Agentes comunitários da saúde (ACS) têm a sua atuação afetada pela violência comunitária no território onde trabalham, deixando de exercer plenamente as suas atividades. Essa foi a análise realizada pela socióloga Juliana Feliciano de Almeida em sua dissertação de mestrado defendida em 2015 na Faculdade de Medicina da USP. Para o estudo qualitativo, a pesquisadora fez observações, acompanhou o trabalho desenvolvido e entrevistou doze desses profissionais que atuam em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no município de São Paulo. A maioria deles relacionou a presença da violência a facções ligadas ao tráfico de drogas e à postura ofensiva da polícia.

Os ACS são profissionais envolvidos na Estratégia Saúde da Família (ESF), uma política assistencial de saúde inserida no Sistema Único de Saúde (SUS) que tem por objetivos principais desenvolver estratégias de promoção, prevenção e recuperação da saúde dos cidadãos a partir da territorialização da assistência, buscando superar práticas convencionais médicas focadas apenas em internações hospitalares. Outro diferencial da ESF é que uma parte dos trabalhadores mora nas mesmas áreas onde trabalham. Este é o caso dos ACS. “São pessoas que conhecem muito bem o território, que são vinculadas a ele. Conhecem muito bem a área e também os moradores”, diz Juliana.

Entre suas funções, estão: contato e acompanhamento permanente das famílias e indivíduos, visitas domiciliares, desenvolvimento de ações educativas — envolvendo temas como uso de drogas, violência doméstica e abuso de crianças, jovens e idosos —, além de auxiliar as equipes médicas em relação ao esclarecimento de dúvidas sobre doenças crônicas. Atende, assim, uma ampla gama de demandas da região dentro e fora da Unidade Básica de Saúde. “Os agentes fazem perguntas, esclarecem dúvidas, promovem atividades de prevenção à saúde em escolas, igrejas. Respondem por aquela população”, explica a socióloga.

Repercussão da violência

A pesquisa mostrou que a repercussão da violência no trabalho dos agentes envolve diferentes fatores, como o acesso negado a determinadas áreas. Toques de recolher são impostos na comunidade quando há movimentação estranha, por exemplo, de carga ilegal de produtos roubados, comercialização de drogas ou quando a polícia entra no território de modo ostensivo e arbitrário. “Existem inclusive pessoas ligadas a atividades ilícitas, ao tráfico, que vão até a UBS avisar que não é para entrar no território ou em uma área específica naquele dia”, relata a pesquisadora. Contudo, nem sempre esses avisos são interpretados pelos profissionais como uma ameaça direta a eles, mas sim como uma “segurança”, uma certa “previsibilidade” do que vai acontecer na região.

Outro fator importante de insegurança dos profissionais diz respeito à atuação da polícia, isto é, ao modo como esta se faz presente no território, sendo potencializados riscos de acontecer algo contra os próprios profissionais como situações de tiroteios, acerto de contas, e corrupção envolvendo policiais e traficantes. Quando ela está no território, acaba dificultando o acesso não apenas dos agentes de saúde, mas de toda a equipe, já que a população fica desconfiada com essa presença ostensiva, relacionando esse fato a alguma denúncia anônima feita por alguns profissionais, por exemplo.

Isso surpreendeu a pesquisadora. “Não esperava encontrar o fato de a polícia interferir na produção da saúde da comunidade, em uma situação em que os próprios ACS se sentem muito mais intimidados pela presença das forças da ordem do que pelas pessoas dali”, ela conta. Muitos, além disso, mesmo vestidos com o uniforme sentem que podem ser confundidos com bandidos por causa dessa avaliação negativa do modo como a polícia atua.

Os agentes também não se sentem totalmente seguros em relação a grupos ligados ao tráfico de drogas, apesar dos recados que recebem deles sobre os toques de recolher. Como resultado, sentem-se inseguros e deixam de trabalhar ou de se aprofundar em alguns problemas encontrados. “Algumas estratégias deixam de ser trabalhadas dentro das escolas, como o uso de drogas, porque muitos consideram aquele como um local de domínio do tráfico e, se eles falarem algo, isso pode repercutir tanto no seu trabalho como na sua vida pessoal. Afinal moram ali, e os seus familiares são conhecidos de todos”, alerta Juliana.

Olhar amplo

Assuntos ligados à violência doméstica contra mulheres e ao abuso de crianças são outros que deixam de ser abordados pelos profissionais porque se sentem ameaçados com as consequências que isso pode lhes trazer. A produção de vínculos dos ACS com a população é, portanto, afetada, assim como a promoção da saúde. Não apenas por causa do medo, pensa a pesquisadora, mas também pela necessidade que eles têm de uma melhor formação, de um treinamento contínuo para que possam agir com mais segurança e afetividade, bem como uma rede intersetorial mais atuante na região.

É importante lembrar que a questão da saúde não se limita à responsabilidade dos profissionais da área, pois ela está conectada a outras instâncias, tais como o Conselho Tutelar, escolas, ONGs e a própria segurança pública, mas não em seu lado repressivo. “A violência é um fato, os agentes convivem com ela, e não é tarefa deles acabar com isso. Eles precisam saber trabalhar naquele ambiente de forma que isso não prejudique nem a eles e nem a sua função. Senão, o olhar para a saúde fica muito reduzido. Fica só o aspecto biomédico, não se trabalha em um sentido mais amplo”, conclui a socióloga.

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