Algumas intolerâncias são capazes de se infiltrar mesmo nos espaços mais qualificados para combatê-las. É o que sugere uma pesquisa, realizada na Faculdade de Saúde Pública da USP, sobre as atitudes dos estudantes de nutrição em relação aos indivíduos obesos e à obesidade. As impressões finais, defendidas em dissertação de mestrado, flagraram posturas preconceituosas na conduta dos universitários.
Embora tenha investigado apenas uma amostra de graduandos do ensino superior público e privado da cidade de São Paulo, a pesquisadora responsável pelo estudo, Angélica Obara, argumenta que os seus resultados corroboram uma questão de proporções internacionais. “Essa realidade é conhecida internacionalmente, e o meu estudo confirma o mesmo panorama no cenário brasileiro”, afirma. “É preciso abrir portas para discutir uma formação mais humanizada com relação à obesidade.”
Estimulada pela sua experiência no nicho da atenção nutricional, Angélica relata ter se deparado com um grande número de queixas de usuários obesos sobre o atendimento que receberam dos profissionais nos serviços de saúde. “Fosse devido à inadequação dos equipamentos e espaços, à pesagem obrigatória e constante ou à prescrição do emagrecimento mesmo quando a procura do profissional possuía outras motivações.”
Dos métodos e da apuração
A pesquisa, então, se deitou sobre o tema através de uma série múltipla de questionários. Para além de dados sociodemográficos, de estado nutricional e de imagem corporal, foram examinadas as crenças dos estudantes em relação aos fatores de desenvolvimento da obesidade. A elaboração de perfis hipotéticos de pacientes serviu para sondar o comportamento dos universitários diante de casos específicos.
Segundo narra Angélica, uma análise do percentual de concordância dos estudantes com determinadas afirmações dos questionários foi matéria-prima de conclusões relevantes. Os dados coletados revelaram uma convicção na prevalência do vício em comer sobre a condição socioeconômica ou, ainda, na ideia de que o emagrecimento dos obesos é uma questão de força de vontade.
Recorte de gênero
As repercussões disso, então, foram especialmente inquietantes para a hipotética paciente mulher. Neste caso particular, os alunos revelaram dar menos fé no consumo alimentar relatado por ela, a consideraram menos disciplinada e zelosa consigo mesma, além de julgarem que precisariam ser mais rígidos e restritos em seu tratamento. Em outras palavras, o preconceito é mais profundo se a pessoa obesa é do gênero feminino.
De acordo com a pesquisadora, foi importante refletir que os estudantes de graduação em nutrição estão imersos numa conjuntura sociocultural que estimula excessivamente a busca pelo corpo ideal, valoriza a magreza e responsabiliza o sujeito pelo seu peso e suas práticas de saúde, sem levar em conta outras ponderações determinantes. “Não se pode desconsiderar questões ambientais, a presença de desigualdades, os significados implicados no ato de comer e o papel dos governos na concretização de políticas públicas pertinentes.”
Orientada pela professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, Marle Alvarenga, Angélica arremata que uma dos propósitos da pesquisa é, justamente, conseguir pautar a relevância desse debate, tanto nas instituições de ensino quanto nos serviços de saúde. Para ela, a discussão ainda é incipiente em nosso país.