Com exceção dos casos de grande repercussão midiática, as decisões relacionadas ao controle de constitucionalidade não são facilmente acessíveis nem para o público jurídico, nem para a população em geral. Para o pesquisador Gabriel Dias Marques da Cruz, um cadastro informatizado e gerido pelo Conselho Nacional de Justiça que reúna e sistematize as decisões de controle constitucional pode beneficiar o sistema judiciário brasileiro.
Outra proposta que o pesquisador defende em sua tese é a aprovação da PEC 406/2001, que foi proposta pela Poder Executivo, à época do presidente FHC, e que está desde 2007 parada no Congresso Nacional. A Proposta de Emenda à Constituição estabelece no Brasil o “incidente de inconstitucionalidade”, que segundo Cruz “pretende fazer com que uma alegação de inconstitucionalidade seja apreciada pelo Supremo Tribunal Federal com maior rapidez”.
Controle Misto
O controle constitucional analisa a conformidade e a adequação de uma lei ou norma, em determinada situação, em relação ao nosso código maior, a Constituição Federal. Há basicamente dois tipos na jurisdição moderna: o controle difuso e o controle concentrado.
No modelo difuso ou concreto, qualquer juiz ou tribunal tem competência para analisar a compatibilidade de uma norma ou lei com a Constituição, prevalecendo a decisão do tribunal de maior instância (no caso do Brasil, o Supremo Tribunal Federal). Nesse tipo de controle, a decisão só afeta as partes do processo, não havendo modificação ou revogação da lei. Além disso, a análise é incidental, ou seja, é suscitada a partir de processos comuns. É o modelo adotado nos Estados Unidos.
No modelo concentrado ou abstrato, adotado em alguns países da Europa, cabe exclusivamente a uma Suprema Corte a análise da constitucionalidade. Neste caso, a análise dá-se por meio de ações diretas, que objetivam que o tribunal analise diretamente a coesão com a Constituição de determinada norma ou lei, resultando em maior segurança jurídica e preservando o nosso código constitucional como soberano. Este modelo surgiu na Áustria, no começo do século 20.
O Brasil, de forma peculiar, adota um modelo híbrido ou misto, que abrange ambos os sistemas de controle. O difuso, porque qualquer juiz brasileiro, inclusive os do Supremo Tribunal Federal 一 desde que o processo em questão chegue ao órgão por meio de recurso 一, pode julgar a constitucionalidade de alguma lei em uma decisão que seja suscitada de processos comuns, não modificando com esse veredito a jurisdição. Concentrado, porque o STF pode analisar a coesão de determinada lei ou norma com a Constituição por intermédio da via direta, com as Ações Diretas de Inconstitucionalidades e outros institutos semelhantes, que permite que uma série de atores políticos e sociais “provoquem” o Supremo.
Sistematização de informações
Atualmente, as decisões de constitucionalidade que ocorrem no sistema difuso, ou seja, por juízes de instâncias variadas, e que não provocam modificação da lei, não são acessíveis para a consulta pública. “Ao não ser que se trate de um processo polêmico e que chame atenção da mídia”, diz Cruz.
Para modificar esta situação e promover uma maior publicização da justiça, Cruz propõe a criação de um Cadastro Nacional de Decisões de Inconstitucionalidades (CNDI), vinculado ao órgão que fiscaliza as funções dos juizes e tribunais do Brasil: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A viabilidade organizacional da proposta fica clara quando se constata que o Conselho já possui ao menos oito Cadastros Nacionais, de motivações semelhantes à do CNDI: “a necessidade de concentração de informações”. Além disso, para a institucionalização dessa iniciativa do pesquisador, bastaria que “[o Conselho editasse] uma Resolução sobre o tema, obrigando os Juízes e Tribunais a comunicar ao CNJ quando proferissem uma decisão de inconstitucionalidade, enviando, também, uma cópia da decisão proferida ao Conselho”.
Segundo Cruz, a proposta pode promover o “aperfeiçoamento da fundamentação das decisões judiciais”. Isso ocorreria porque um Cadastro sistematizado e disponível na internet permite que qualquer juiz ou tribunal baseie uma decisão que envolva a constitucionalidade de uma norma ou lei em casos semelhantes da jurisprudência.
Em suma, para o pesquisador, além de não ser onerosa ou de complexa implementação, a grande contribuição que sua proposta do CNDI pode trazer “é tornar mais fácil o conhecimento das decisões e dos argumentos utilizados, favorecendo o princípio da transparência”.
Incidente de inconstitucionalidade
Paralelamente à criação do CNDI, a pesquisa de doutorado propõe um novo mecanismo na jurisprudência brasileira: o incidente de inconstitucionalidade. Este, diferentemente da proposta do Cadastro Nacional, não surgiria de uma resolução de um órgão como o Conselho Nacional de Justiça, mas a partir da aprovação de uma PEC já existente, mas que desde 2007 não teve avanços em sua discussão interna no Congresso, devido a trâmites burocráticos internos.
O novo mecanismo modifica o sistema difuso de controle constitucional. Atualmente, para que um processo do modelo concreto tenha a constitucionalidade de uma norma ou lei relacionada ao caso analisada pelo Supremo Tribunal Federal, este deve chegar ao STF por meio da tramitação recursal padrão. Segundo Cruz, com a aprovação da PEC, tornaria-se possível que “algum interessado provoque o Supremo Tribunal Federal a examinar, de imediato, alguma controvérsia envolvendo a inconstitucionalidade”. Além disso, o efeito da decisão do Supremo seria erga omnes, ou seja, modificaria ou revogaria a lei que não fosse compatível com a Constituição, diferentemente do que ocorre usualmente no modelo difuso.
Proposta pelo Poder Executivo em 2001, a PEC 406/01 surgiu no contexto da prorrogação da CPMF, que o governo objetivava à época. Para evitar que a constitucionalidade do prolongamento fosse continuamente contestada por juízes de primeira instância, o Governo FHC propôs a criação desse instituto, que além de suprimir as fases recursais, suspende os processos de mesmo cunho que estejam correndo em instâncias inferiores. Entretanto, o projeto não só não foi aprovado a tempo de dar segurança jurídica para a CPMF, como acabou travado nas burocracias da Câmara.
Apesar do esquecimento da PEC pelo Legislativo, Cruz retoma o tema em sua pesquisa. Ele defende que assim como o CNDI, o incidente de inconstitucionalidade pode otimizar a justiça brasileira, já que promoveria maior celeridade e segurança jurídica em casos de análise constitucional.