Idealizado por pesquisadores de diversas instituições e coordenado, no Instituto Oceanográfico da USP (IO), pelo professor Frederico Brandini, o projeto Carbom (Caracterização Ambiental e Avaliação dos Recursos Biogênicos Oceânicos e da Margem Continental Brasileira e Zona Adjacente) tem como objetivo investigar o fluxo de carbono nos oceanos, principalmente na costa brasileira. Integrante do projeto, a pesquisadora do IO Catherine Gérikas Ribeiro dedicou seu doutorado a estudar micro-organismos da zona eufótica (que compreende cerca de 200 metros de profundidade e abriga os micro-organismos que realizam a fotossíntese) envolvidos nesses processos.
A pesquisadora explica que no início se empenhou a estudar uma cianobactéria (bactéria que obtém energia através da fotossíntese) chamada Trichodesmium, bastante abundante em regiões tropicais. O organismo se destaca por conseguir capturar o nitrogênio presente na atmosfera para fabricar compostos para uso próprio, diferentemente da maior parte dos organismos da coluna d’água que realizam fotossíntese (conhecidos por fitoplâncton). Entretanto, devido a dificuldades para cultivar esse organismo, Catherine voltou seu foco para a diversidade dos menores organismos que flutuam no oceano (conhecidos como picoplâncton), e acabou encontrando outra cianobactéria também muito importante na fixação do nitrogênio que havia sido descoberta há pouco tempo, a UCYN-A. Ela conta que o Trichodesmium forma florações que são visíveis a olho nu, enquanto a UCYN-A não, o que a torna difícil de ser encontrada, e portanto demorou para ser estudada.
O material para estudo foi coletado da zona eufótica do Atlântico Sul em regiões que podem chegar a até 3.500 metros de profundidade, desde a latitude do litoral norte de São Paulo até Santa Catarina. O método utilizado para estudar esse material foi a citometria de fluxo, “a citometria funciona mais ou menos da seguinte forma: a partir de 1 mililitro de água do mar, o citômetro vai alinhar as células individualmente, vai ler essas células uma por uma, e vai registrar algumas características dessas células como tamanho, fluorescência, rugosidade, e, a partir disso, a gente consegue diferenciar os grupos que, por fazerem parte do picoplâncton, não conseguem ser bem observados em microscópio”, Catherine explica. Depois disso, através de um processo de determinação da sequência do genoma desses micro-organismos que serve para reconhecimento, e tinha como objetivo apenas observar a diversidade da região, a pesquisadora verificou, em meio a florações da Trichodesmium, a abundância de um micro-organismo do gênero Braarudosphaera.
A pesquisadora conta que estudos recentes haviam observado que a Braarudosphaera é, entre outras, uma hospedeira importante da UCYN-A. Nessa associação entre os dois organismos, o primeiro realiza a fotossíntese e fornece carbono para o segundo, que, em troca, fornece nitrogênio. Assim, diante da abundância de UCYN-A, o estudo pode indicar a grande importância dessa cianobactéria para a região do Atlântico Sul no processo de fixação do nitrogênio da atmosfera, que é matéria essencial para a constituição dos seres vivos. Catherine explica que a zona eufótica do Atlântico Sul tem uma quantidade de nutrientes limitada, o que também limita a produtividade, enquanto uma massa de água mais abaixo conhecida como Água Central do Atlântico Sul (Acas) é muito rica. Esporadicamente, a Acas é empurrada para cima por fatores externos e fornece nutrientes para os organismos da superfície. “A maior parte da comunidade fitoplanctônica é dependente dessa fertilização esporádica da Acas ressurgindo ou da entrada de nutrientes por processos costeiros. Mas a UCYN-A e suas hospedeiras não dependem disso, pois conseguem pegar o nitrogênio direto da atmosfera”, ela explica.
Importância do estudo
Atentando para as lacunas de conhecimento do Brasil quanto à oceanografia, a pesquisadora enfatiza a necessidade de estudos em microbiologia, que servem de base para uma melhor compreensão do ambiente marinho. Ela diz que ainda nos faltam informações básicas para compreender esses micro-organismos que estão na base da cadeia alimentar e, portanto, são de extrema importância. Ainda, lembra que a ação do ser humano tem modificado muito os oceanos, levando-os ao aumento da acidez por conta da elevação da quantidade de gás carbônico na atmosfera, por exemplo. “Não temos informações sobre como a acidificação vai influenciar os oceanos. No microplâncton, por exemplo, existem organismos com carapaça de sílica, que pode ser dissolvida com uma pequena mudança no pH. O fitoplâncton é a base da teia alimentar marinha, então é muito importante agir com precaução, entender antes de modificar, e saber qual é o nosso limite de modificação desses sistemas naturais”, ela finaliza.