Localizada no noroeste da Antártida, a Ilha Deception é um dos quatro vulcões ativos do continente. O ambiente da ilha se destaca por atingir temperaturas superiores a 100 graus celsius e por sofrer influência marinha, enquanto os vulcões do continente atingem temperaturas de até 60 graus e estão afastados do mar. Pesquisadores do Laboratório de Ecologia Microbiana do Instituto Oceanográfico (IO) da USP envolvidos no Programa Antártico Brasileiro através dos projetos INCT-Criosfera e Microsfera, sob coordenação da professora Vivian Pellizari, se dedicam a estudar os micro-organismos dessa região, que conseguem sobreviver a temperaturas extremas.
Amanda Bendia, uma das pesquisadoras envolvidas no projeto, explica que o principal objetivo do seu estudo é entender como essas altas temperaturas vulcânicas influenciam e selecionam os micro-organismos que vivem em um ambiente predominantemente glacial. “Fazemos coletas no sedimento perto das geleiras, onde a temperatura é negativa, e nas fumarolas [fissuras na superfície da crosta que emitem vapor de água e gases], que têm temperaturas de 50 a 100 graus, para entender como essa variação de temperatura influencia esses micro-organismos, como eles estão adaptados a essas condições extremas”, ela explica. A região é importante por abrigar, no mesmo espaço, organismos adaptados a temperaturas negativas e temperaturas muito altas.
Acompanhada de uma equipe, Amanda foi até a ilha no final de 2013, onde, abrigada no navio, ficou mais de um mês coletando sedimentos. Segundo a pesquisadora, coletar os organismos para depois cultivá-los em laboratório seria ineficiente para entender a diversidade do local, pois apenas 1% desses micro-organismos são cultiváveis. Ela explica que os sedimentos são congelados e levados para o laboratório onde os pesquisadores vão determinar a sequência do DNA de todos os organismos ali presentes — seria como fotografar o ambiente no momento da coleta. “A partir disso, conseguimos ver genes envolvidos em adaptações a diferentes condições, a altas temperaturas, a baixas temperaturas, e também entender os ciclos biogeoquímicos do ambiente, quais metabolismos são mais relevantes nesse ambiente".
O estudo observou que em regiões da ilha que possuem temperaturas acima de 80 graus celsius, mais de 90% dos organismos eram arqueias adaptadas a altas temperaturas (hipertermófilas), organismos muito comuns em fontes hidrotermais de oceano profundo. Arqueias são micro-organismos morfologicamente semelhantes às bactérias, mas bioquímica e geneticamente diferentes delas, são conhecidas por habitarem ambientes extremos.
“Nos perguntamos por quê encontramos esse tipo de organismo na superfície, e concluímos que os vulcões polares têm condições de variações extremas de temperatura semelhantes às das fontes hidrotermais de oceano profundo”, afirma. Amanda explica que a temperatura em oceano profundo gira em torno de 4 graus, mas as regiões de ventos hidrotermais atingem temperaturas muito altas, assim como as fumarolas da ilha, que estão localizadas em um ambiente frio e também sofrem influência marinha.
Ela conta ainda que, apesar de não ser o ideal para elas, essas arqueias podem sobreviver a temperaturas baixas, assim, diferentemente de organismos que não vivem em condições extremas, conseguem sobreviver a um amplo gradiente de temperatura. A comparação entre os organismos hipertermófilos e os que vivem na mesma região, mas em temperaturas mais baixas ainda verificou adaptações importantes quanto ao metabolismo: os que vivem em temperaturas superiores têm participação no processo de produção do enxofre, enquanto os de temperatura mais baixa participam do metabolismo do nitrogênio, por exemplo.
A pesquisadora explica que, além de somarem informações ao estudo da microbiologia e da ecologia microbiana em ambientes extremos, pesquisas que compreendam o funcionamento e as adaptações desses organismos podem ter aplicações na biotecnologia, mas que o Laboratório de Ecologia Microbiana do IO visa compreendê-los com foco em outros objetivos, entre eles o estudo da Astrobiologia: “Com essas pesquisas conseguiríamos definir os limites da vida em relação à temperatura, e assim buscar locais semelhantes fora da Terra onde esse tipo de organismo poderia estar presente”, ela conta. Uma segunda aplicação importante está na compreensão da evolução dos seres vivos: “Existem muitas hipóteses de que a vida tenha se originado nesses ambientes termais, e temos evidências moleculares de que eles estão na base da árvore filogenética, o que indica que a vida pode ter se originado nesses ambientes termais”.