Um grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo vem desenvolvendo uma versão aprimorada de medicamento para leucemia linfóide aguda. Criado e coordenado pelo professor Adalberto Pessoa-Junior, o projeto passa por todas as etapas de produção, desde a busca pelo princípio ativo até a encapsulação do medicamento e pretende atender uma necessidade do mercado nacional, que depende do fornecimento estrangeiro da enzima L-asparaginase.
História da L-asparaginase no Brasil
Em janeiro de 2013, a única empresa brasileira que produzia medicamento contra a leucemia linfóide aguda, a Bagó, utilizando um fármaco importado chamado L-asparaginase, anunciou que pararia a produção. O problema, segundo a empresa, é que o produto ativo do medicamento não seria mais fornecido pela fonte estrangeira. Informou ainda que teria estoque para mais seis meses.
Além disso, este é o único medicamento para a doença aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil. Há outros dois existentes com a mesma finalidade, avaliados pelo professor Adalberto como mais eficientes, porém sem autorização da Agência e sem circulação nacional. A L-asparaginase, contam os pesquisadores, é um material de baixo custo comercial, pouco interessante para a indústria. O governo, em parceria com a FioCruz, optou por desenvolver em território nacional o mesmo tipo do medicamento autorizado pela instituição.
A leucemia linfóide aguda é um tipo de câncer comum em crianças, correspondendo a até três quartos de todos os casos de leucemia infantil. O desabastecimento do principal medicamento para o combate da doença alarmou médicos e foi divulgado por jornais como a Folha. Foi através dessa cobertura da mídia que o professor Adalberto tomou conhecimento da situação e decidiu criar um grupo de pesquisa para desenvolver um novo medicamento, em versão otimizada, da L-asparaginase.
As etapas do projeto
O grupo de pesquisa mobilizado por Adalberto envolve mais de 50 professores e estudantes de diversas universidade no país e fora. À frente dos diferentes processos estão a professora Gisele Monteiro, a professora Carlota Yagui, ambas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, e o professor Marcos Antônio de Oliveira da Unesp de São Vicente.
O projeto, que recebe apoio da Fapesp, tem duas frentes: produzir a L-asparaginase e melhorá-la. O objetivo é desenvolver a enzima pura, estabilizada e liofilizada, ou seja, em forma de pó para conservação e uso em medicamentos.
O projeto tem diversas etapas que vêm sendo desenvolvidas ao mesmo tempo. Da produção da enzima em fungos de forma natural (bioprospecção) e de forma artificial (engenharia genética) à encapsulação utilizando nanotecnologia, vários processos já estão em andamento.
Fluxograma geral dos estudos de produção de L-Asparaginase extracelular a partir dos genes de S. cerevisiae usando levedura P. pastoris recombinante e a partir de fungos filamentosos e leveduras isolados de biomas diversos (Pessoa, A; Rangel-Yagui, C. O.; Monteiro, G.; Oliveira, M.).
Amostras de fungos de diversos biomas nacionais como o Cerrado e o Semi-Árido vêm sendo testadas na produção natural da enzima, em um processo chamado bioprospecção. Nesta parte do projeto há parceria com instituições como a Universidade de Brasília e a Universidade Federal de Pernambuco. Fungos que produzem o fármaco são isolados e avaliados pelos pesquisadores locais e os melhores são enviados para São Paulo. “Todos os fungos produzem a mesma enzima, mas cada uma tem características diferentes, por isso podemos encontrar uma melhor e uma pior. Às vezes uma é tóxica para o ser humano e outra não”, explica Adalberto. Nessa parte da pesquisa o grupo já tem diversos resultados sendo avaliados.
Paralelamente à busca de enzimas produzidas em ambientes selvagens, há o uso da engenharia genética, coordenada pelos professores Gisele Monteiro e Marcos Antônio de Oliveira, para desenvolver a L-asparaginase em laboratório. No processo, fungos são induzidos a produzi-la através da inserção da sequência genética que codifica a enzima no seu material genético. Os pesquisadores podem, ainda, alterar partes do código formador da L-asparaginase e produzir a partir disso uma molécula diferente, mutante, com alterações potencialmente benéficas. Por isso, além de ter o papel de produzir a enzima, esta etapa do projeto também é responsável por otimizá-la.
Gisele pontua que, até o momento, um resultado relevante foi a produção de uma enzima mais resistente: “A gente conseguiu duas isoformas mutantes que normalmente seriam degradas na corrente sanguínea por proteases [enzimas que quebram ligações de proteínas], mas que são resistentes a elas. O que quero saber agora é se a atividade antitumoral foi mantida e se isso acontece no sangue humano” explica, pois os testes até então foram feitos in vitro.
A terceira frente é coordenada pela professora Carlota Yagui, que utiliza a nanotecnologia e estuda como um material novo no Brasil, os polimerossomos, pode otimizar o funcionamento do medicamento no corpo humano. Um dos maiores problemas que o medicamento apresenta são os efeitos colaterais, como alergias e a resistência criada pelo corpo. No projeto, vesículas encapsulam a L-asparaginase e permitem que a enzima, normalmente degradada de forma rápida, circule no corpo por mais tempo, aumentando o intervalo entre doses e diminuindo os efeitos colaterais. Além disso, a proteção fornecida por esses polimerossomos gera um direcionamento maior do tratamento, uma vez que eles têm mais facilidade em penetrar em tecidos como a medula óssea.
Os pesquisadores já conseguiram encapsular uma taxa de 15% da enzima (saiba mais).
Etapas futuras
Iniciado há pouco mais de um ano, o projeto deve se estender até 2019, data em que os pesquisadores esperam ter conseguido desenvolver o medicamento e patenteá-lo.
Além das três etapas que já estão sendo desenvolvidas, há ainda outras posteriores. Adalberto explica que “depois que encontrarmos os melhores [fungos produtores da enzima], partiremos para estudos de produção. Vamos analisar para escolher qual cresce melhor, qual produz mais rápido”, buscando otimizar a produção do fármaco em escalas cada vez maiores, do laboratório à indústria. Além disso, também é nesta etapa que será feito o estudo para purificar a L-asparaginase. Mais à frente, a toxicidade das enzimas será testada em cultura de células.
Ao final, todas as etapas convergirão para a obtenção de um medicamento à base da enzima, em versão melhor que o biofármaco que circula atualmente, com tecnologia e produção nacionais.