Estudo de caso avaliou o Programa Academia da Saúde em duas cidades bastante diferentes do estado de São Paulo e encontrou problemas. Por meio de comparações entre os municípios, foi descoberto que há questões administrativas, dificuldades de implementação do programa e uma má integração com o atendimento básico, que é a porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS). A pesquisa foi conduzida pelo fisioterapeuta Paulo Mota, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Academia da Saúde
O programa é muito confundido. Por conta de seu nome, muitas pessoas acreditam que ele seja aqueles aparelhos de ginástica nas praças das cidades, mas não é. Na verdade, ele é uma ação do Governo Federal que tem como objetivo desenvolver a prática de atividade física e uma melhora no padrão nutricional da população por meio de atividades intersetoriais na área da saúde.
Paulo Mota explica que o programa se diferencia das academias instaladas nas praças por conta do “apoio do Ministério da Saúde para a implementação, da integração com a atenção básica do município e graças à presença de um profissional que orienta a população nas atividades, seja ele um educador físico, fisioterapeuta ou enfermeiro, por exemplo”.
A criação do programa ocorreu por conta de um aumento significativo das doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão e diabetes. Com isso, o cuidado precisou mudar, já que o modelo de cuidado tradicional não resolveria as maiores causas de mortes no país. Assim, a saúde teve que se preocupar com a prevenção e a promoção de uma vida mais saudável. “Nesse cenário em que atividade física e uma melhora nutricional são comprovados como redutores do número de doenças crônicas, programas incentivadores disso começaram a surgir no Brasil”, explica o fisioterapeuta.
O estudo de caso
Para entender a Academia da Saúde, Mota conta que precisava escolher duas cidades muito diferentes entre si para mostrar a variabilidade do programa, que foi implementado pelo governo em 2011. “Selecionamos Guarulhos e uma cidade do interior paulista que pediu para não ser identificada. Guarulhos tem 1 milhão de habitantes, uma população extremamente concentrada e faz parte da metrópole de São Paulo. A cidade interiorana possui apenas sete mil habitantes, baixa densidade populacional e economia baseada na agricultura de subsistência”, comenta o pesquisador.
Depois de selecionar os municípios foi montado um roteiro de perguntas e começou-se a entrevistar gestores e profissionais que trabalhavam no programa. Após a coleta desse material, Paulo Mota conta que houve uma análise de conteúdo seguida de uma comparação das informações com as bases de dados do Ministério da Saúde e dos municípios, além de comparações com documentos, portarias federais e com os projetos de implementação do programa nos municípios.
Questão administrativa
Logo na primeira análise, o pesquisador observou problemas com relação à questão federalista do programa. Como consta na Constituição de 1988, o financiamento do Sistema Único de Saúde deve ser tripartite, ou seja, com recebimento de verbas tanto do executivo federal, como também do estadual e municipal. No entanto, na Academia de Saúde isso não ocorre.
Por ser um programa desenhado pelo Ministério da Saúde (federal) e implementado a nível municipal, os estados se omitem. No caso analisado, o estado de São Paulo não interferia de nenhuma maneira no programa. “O governo federal pensou no programa e oferece verba, o município implementou e está fazendo funcionar. O estado deveria ajudar o município a planejar e deveria destinar verba, mas ele não aparece”, explica Mota.
Para o pesquisador, a relação acaba se tornando municipal-federal, com o Ministério da Saúde financiando o programa para fazer com que as cidades sigam corretamente as diretrizes estipuladas. “Se o município quer instalar o Programa Academia da Saúde, ele se inscreve num edital. Quando ele é contemplado, recebe uma verba para a construção do polo físico e, depois, recebe dinheiro mensalmente para ajudar a pagar um profissional”, complementa.
Problemas na implementação
E é justamente por conta das diretrizes federais rígidas que ocorrem problemas na implementação. Por ser um programa de abrangência nacional, as realidades dos municípios são muito diversas, mas isso é ignorado no planejamento. Por exemplo, a regulamentação diz que deve haver uma sede física única do programa no município, onde devem ocorrer os atendimentos e atividades programadas. No entanto, na cidade do interior paulista com baixa densidade populacional, o polo ficava vazio à tarde, pois não havia gente naquela parte da cidade. A gestão do programa, então, resolveu colocar os profissionais para circularem em diferentes pontos da cidade, fazendo atividades em ginásios e igrejas, o que resolveu a questão da baixa aderência da população, mas quebrou uma normativa federal.
Segundo Paulo Mota, o problema reside no fato de o Governo Federal pensar e normatizar sem considerar as condicionantes dos municípios. Por conta disso, os gestores municipais precisam arquitetar medidas alternativas para implementar o programa de maneira eficaz, mas correm o risco de perder a verba federal que os financia. “Em Guarulhos faz sentido o que o governo pensou, dá para fazer uma aula para idosos às duas da tarde, tem gente, mas numa cidade de sete mil habitantes não”, pontua o pesquisador.
Os profissionais e a atenção básica
Outro ponto importante no programa é seu caráter intersetorial e de articulação com o atendimento básico da saúde. Em teoria, a Academia da Saúde precisa ter diversos profissionais ― médicos, enfermeiros, nutricionistas, educadores físicos, fisioterapeutas ― e deve articulá-los com o SUS e a atenção básica, de modo que o paciente seja acompanhando por várias áreas da saúde num cuidado contínuo. Segundo a pesquisa da Faculdade de Medicina da USP, isso não acontece de fato.
De acordo com Paulo Mota, o problema afetou as duas cidades de maneiras diferentes. Primeiro, no município do interior paulista, há um escopo reduzido de profissionais, basicamente formado só por educadores físicos. “Não havia nenhuma atividade intersetorial, não traziam, por exemplo, uma nutricionista para falar sobre alimentação”, complementa. Além disso, a ligação com a atenção básica é feita de uma maneira simples, que consiste no médico ir até a Academia para fornecer atestados para atividade física, sem um acompanhamento continuado. Para Mota, a integração é muito baixa.
Já em Guarulhos, o pesquisador encontrou outras questões. Apesar de haver mais profissionais, como um fisioterapeuta, uma psicóloga, uma arteterapeuta e um educador físico, a relação com a atenção básica também não é efetiva. Para ele, o problema está nos próprios profissionais que foram remanejados e não entenderam a proposta nova de trabalho, por falta de diálogo com o gestor. Um profissional que fazia 40 horas na atenção básica passou a fazer só 20 e a fazer as outras 20 na Academia da Saúde. “No entanto, os outros profissionais da atenção básica sentiram que perderam mão de obra e se revoltaram. Enquanto, na verdade, a pessoa está atendendo a mesma população dentro do mesmo sistema de saúde, só que em outro prédio”, comenta Mota.
Para o pesquisador, o programa só vai funcionar corretamente e atingir seus objetivos quando todos os gestores entenderem o desenho da Academia e conseguirem adaptá-lo aos modelos de seus municípios. Também só se tornará efetivo quando os profissionais forem treinados para realizarem um atendimento contínuo e articulado com a atenção básica. “O profissional tem que ser capacitado para entender qual o papel dele. E a população também precisa ser educada para entender os programas e saber como ela pode usufruir deles para melhorar a própria vida”.