Em sua pesquisa de doutorado no Instituto de Física, Thais A. Enoki estudou as interações entre o peptídeo antimicrobiano KHya1, originalmente isolado da pele de uma espécie de sapo, em diversos tipos de membranas celulares. Através de experimentos em laboratório com membranas modelos, que mimetizam a composição lipídica de diferentes organismos, ela descobriu que a ação do peptídeo é mais agressiva em membranas modelo de seres procariontes, como bactérias e fungos, do que nos modelos para seres eucariontes, como os mamíferos.
A membrana celular é fundamental para a vida, seja de um organismo procarionte ou eucarionte. Ela é essencial para o funcionamento das células, pois é camada mais externa que permite a passagem de substâncias para o meio interno e combate outras que são nocivas. As membranas são diferentes em cada organismo, mas elas são compostas fundamentalmente por proteínas, lipídeos e açúcares, cada um com uma devida funcionalidade.
Uma das funções mais importantes é exercida por um tipo de peptídio, o antimicrobiano, que atua na primeira linha de defesa em muitas plantas e animais. Thais trabalhou com o peptídeo KHya1 sintetizado pelo grupo do Prof. Eduardo Cili (UNESP), que apresenta algumas modificações em sua sequência de aminoácidos comparado ao peptídeo originalmente isolado da pele do Sapo sulamericano, Hipsiboas Albopunctatus. Assim, estudou sua interação com diferentes tipos de membranas modelos, que foram elaboradas em laboratório e constituídas apenas por lipídeos. O peptídeo encontrado na pele do sapo tem função antimicrobiana, que destrói membranas de bactérias e fungos que tentam se alojar na pele úmida do réptil. Outro exemplo de peptídeo antimicrobiano, destacado pela pesquisadora, e que possui propriedades semelhantes, é encontrado no veneno de aranhas que se alimentam de materiais em decomposição. Ele atua da mesma maneira, atacando bactérias e destruindo suas membranas, impedindo que a aranha contraia doenças provindas desses organismos procariontes.
Enoki estudou em seu doutorado a interação do peptídeo antimicrobiano KHya1 em diferentes tipos de membranas: um modelo que imita bactérias e fungos, que contêm lipídeos aniônicos, negativamente carregados, e outro modelo que mimetiza membranas de seres eucariontes, que possuem composição lipídica neutra. Ela chegou em diferentes resultados para cada experimento, e concluiu que a interação do peptídeo com lipídeos negativos é mais forte do que a com lipídeos neutros. Isso se deve porque o KHya1 tem uma sequência de aminoácidos com terminais positivamente carregados e por isso conseguem se ancorar melhor numa membrana aniônica do que numa neutra, através de uma interação eletrostática entre a cabeça polar do lipídeo e o terminal positivo da proteína. Diferente do que acontece na interação com os lipídeos neutros, pois estas cargas positivas preferem ficar expostas ao solvente do que interagindo diretamente com a membrana de eucariontes. Isso explica por que a interação do peptídeo é mais forte contra membranas de bactérias e menor contra a membrana do sapo, por exemplo.
Legenda: Princípios da interação de peptídeos antimicrobianos com a membrana celular de eucariotos e bactérias. Figura extraída de Zasloff (2002), Nature 415, 389 (adaptada).
O peptídeo em humanos
Segundo a pesquisadora, um dos grandes objetivos do campo é encontrar um peptídeo antimicrobiano que tenha grandes efeitos na membrana de procariontes e nenhum na de eucariontes. Esses peptídeos funcionam perfeitamente em seus sistemas naturais, como na pele do sapo e no veneno da aranha, só que a grande pergunta de muitos pesquisadores da área é se esses peptídeos poderiam atuar também no corpo humano como droga contra bactérias e fungos. Ainda não há uma resposta para esta pergunta, pois carece de pesquisas, mas Thais afirma que já existem cosméticos formulados com peptídeos antimicrobianos.
Apesar da interação entre o peptídeo e a membrana de eucariontes ser mais branda, ainda há algum efeito. “Uma vez que esses peptídeos interagem com a membrana eles podem causar grande distúrbios, como por exemplo a abertura de poros, o aumento da permeabilidade ou até a sua destruição por completo”, conclui. Mesmo funcionando perfeitamente em seus sistemas naturais, um peptídeo antimicrobiano quando em contato com uma hemácia, por exemplo, poderia causar o rompimento da célula e por conseguinte sua morte. Por isso, um dos grandes desafios do campo é encontrar um peptídeo ou uma condição para que não aconteça dano algum com membranas de eucariontes fora dos seus sistemas naturais, e que nós possamos usufruir igualmente de tais propriedades.