A primeira infância – fase que vai desde a gestação até os 6 anos de idade – se caracteriza por ser uma fase de intenso desenvolvimento da criança, não só neural, mas também afetivo e as relações que a criança tem com o mundo, os quais mostraram-se tão importantes quanto. Foi pensando nisso que o professor Edison Manoel, da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE/USP), elaborou a sua pesquisa atual com apoio da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e a Fapesp. Ele mostra que práticas como a constante manipulação dos bebês por suas mães, as massagens e os jogos fazem com que eles desenvolvam seus sistemas sensório-motores de maneira mais adequada se comparado aos que não vivenciam tais práticas. Isso implica desenvolver-se não só mais rápido, mas sobretudo diversificar e ampliar o repertorio de ações na infância.
A pesquisa sobre o contexto social levou em conta o trabalho da pesquisadora francesa Blandine Brill, que realizou estudos nas décadas de 1980 e 1990 comparando as práticas de mães africanas e francesas no cuidado de seus bebês. Para isso, ela observou comunidades no Mali e famílias de Paris. A pesquisadora francesa observou que os bebês malineses em geral adquiriam habilidades motoras (como ficar de pé, andar ou usar uma colher) bem antes da média dos bebês franceses. O motivo para isso, segundo observado por Brill, é exatamente esse contato que a mãe africana tem com o bebê. As mães malinesas manipulam mais os seus filhos, com massagem, alongamentos e brincadeiras que colocam o bebê em várias posturas. Um dado interessante registrado por Blandine Brill foi o de que os bebês de Mali passam de 20% a 30% do dia deitados, enquanto os bebês franceses ficam nessa posição de 70% a 80% do dia.
Essa diferença de resultados envolve uma série de fatores. Primeiramente, o fator da diferença cultural tem muita influência, a começar pela própria percepção do desenvolvimento entre as duas comunidades. Enquanto na cultura europeia o desenvolvimento é encarado como algo natural e, por isso, sem que haja muito o que se possa fazer, na cultura africana se vê a evolução do filho como uma construção que depende dos pais e das pessoas em volta: “Para eles, desenvolvimento é investimento, é construção”, como explica o professor Edison.
Além disso, também há uma diferença entre as expectativas de quando os bebês vão começar a andar, por exemplo, o que influencia muito no tempo que ele realmente começa a fazê-lo. “O timing de incentivar o bebê a andar tem a ver com a expectativa dos pais. Então, se eles acham que o filho vai andar com 12 meses, por exemplo, eles começam a se preocupar em incentivá-lo a fazê-lo ao redor de 10, 11 meses”, explica. No caso, observou-se que as mães africanas ou não tinham essas expectativas, não estipulando prazos para os bebês, ou se as tinham, eram bem anteriores que as das mães francesas. Como consequência as mães do Mali incentivavam os bebês a andar muito antes das mães francesas.
Análises no Brasil
Ao levar em conta os resultados obtidos por Brill, o professor Edison buscou fazer uma observação similar, mas restrita ao Brasil. Para isso ele contou com a ajuda da professora Andrea Perrotti e do professor Luiz Dantas. A professora entrevistou 14 mães da região metropolitana da cidade de São Paulo e 16 mães de uma comunidade quilombola em Paraty, no estado do Rio de Janeiro. Parte de entrevista consistiu em mostrar uma série de vídeos com cenas de mães realizando práticas de manipulação com seus filhos. Posteriormente, ela perguntava se as mães tinham o hábito de fazer aquilo com seus filhos ou, em caso negativo, se fariam. Também eram feitas perguntas como “quando você acha que seu filho vai falar, andar, usar a colher, sentar sozinho?”.
Apesar da expectativa, os resultados obtidos não foram os previstos. As mães da Quilombola não praticam todas as manipulações que se esperava e, em muitos aspectos, ficaram próximas dos resultados obtidos pelas mães paulistas. Entretanto, em diversos outros pontos elas se mostraram mais ativas e receptivas às ações mostradas. Por exemplo, em um dos vídeos exibidos, a mãe pega seu bebê pelo pé e o deixa de ponta cabeça. Enquanto as mães paulistanas nunca fariam aquilo com os filhos, as mães quilombolas não só fariam, como reconheciam como ações que suas avós ou bisavós faziam. Além disso, elas mostraram-se mais proativas para estimular seus filhos a realizarem ações mais cedo do que a média esperada, o que aproxima os resultados da pesquisa como o que foi descrito por Brian Hopkins (professor de psicologia da Lancaster University, que também realizou estudos similares) e, principalmente, por Blandine Brill.
Ao questionado sobre o por quê o esperado para o quilombo não se concretizou, o líder explicou que há em curso um processo de grande infiltração cultural externa nessas comunidades. Embora a Quilombola seja localizada numa grande região de mata e distante da cidade de Paraty, o líder destacou que a televisão e, mais recente, o acesso a internet leva a uma mudança nos modos de viver da comunidade. Por isso, o professor Edison pretende realizar novamente o estudo em uma comunidade Quilombola mais distante de centros urbanos e menos afetadas por influências externas.
Projetos para aplicar os resultados
Com os dois resultados obtidos, o professor Edison pretende ajudar na construção de contextos físicos e sociais mais significativos para o desenvolvimento das crianças.
“Se a gente souber mais como as mães cuidam dos bebês, talvez a gente possa dar orientações para outras mães trabalharem melhor com os seus”, afirma Edison. Ele revela o interesse em elaborar cartilhas educacionais, além de programas em creches, divulgando os resultados obtidos para a comunidade, afim de ajudar as mães e pais a brincarem mais com seus bebês.
Além disso, o professor destaca um assunto muito comentado atualmente: os bebês com microcefalia e o sentimento de impotência dos pais. Para ele, é possível estender o resultado dos estudos para essa população específica. Muito do que pode ser feito para ajudar no desenvolvimento dessas crianças está em casa, “às vezes têm coisas muito simples que as mães podem fazer no dia-a-dia para ajudar e não sabem disso”, destaca.