Segundo o último levantamento dos Retratos da Leitura no Brasil, organizado pelo Instituto Pró-Livro, os três principais motivos que levam o brasileiro a se atrair pela leitura são o gosto, a atualização cultural e a distração. De acordo com esse perfil de leitor, a indústria cultural busca aproximar a literatura à outras formas de entretenimento e ao consumo.
O público jovem, que cresce com a conectividade do mundo virtual, se interessa facilmente por narrativas transmidiáticas, ou seja, aquelas que passam pelas páginas dos livros e atravessam as telas do cinema e dos videogames, ou o contrário.
Foi o que observou Aline Akemi Nagata, pesquisadora da Faculdade de Educação da USP, que defendeu em maio deste ano seu doutorado sobre o impacto de um novo nicho literário nas práticas de leitura.
“Todo mundo acha que os adolescentes não são leitores, mas o que estava percebendo em sala de aula era o contrário. Eles estavam lendo, e muito. Só que eles não estavam lendo aquilo que a escola esperava que eles lessem, eles liam a literatura gamer basicamente”, conta a pesquisadora.
Segundo a pesquisadora, a literatura gamer engloba toda a produção editorial baseada em videogames e está ligada a uma estratégia de marketing que visa ampliar as vendas do produto principal: o videogame.
Nessa lógica, o livro é pensado de forma a complementar a experiência do jogo convencional, criando universos expandidos de uma marca, isto é, produzindo muito mais conteúdo sobre uma mesma história.
No Brasil, 15% dos leitores jogam videogame e a principal forma de se adquirir um livro é através da compra, seja em loja física ou virtual. Conforme mostra a pesquisa do Instituto Pró-Livro, 48 milhões de brasileiros compraram algum livro nos três meses que antecederam o levantamento.
Para aumentar os lucros, as empresas criam estratégias que planejam o produto da capa ao dia de lançamento.
A Blizzard, produtora de jogos como Starcraft e World of Warcraft — também adaptado para o cinema —, por exemplo, lança livros no intervalo entre os games. Outras produtoras preferem lançar os dois produtos ao mesmo tempo ou em datas próximas.
Pensando na faixa etária dos leitores, as capas são visualmente semelhantes aos jogos e possuem uma assinatura que sinaliza que o produto é vinculado à determinado game. Para leitores de 5 a 13 anos, a capa é o principal fator que influencia a leitura de um livro. O tema da obra passa a ser o elemento mais relevante somente a partir dos 14 anos.
Assim como os games, os livros seguem a jornada do herói e possuem personagens estereotipados, com traços fortes de cada arquétipo — o vilão é extremamente cruel e o herói é extremamente forte, de forma com que o leitor não consiga simpatizar com outro personagem senão o herói.
Os livros são longos, com capítulos curtos e linguagem simplificada, a menos que o contexto da personagem peça algo mais rebuscado, como acontece em Assassin’s Creed, que possui excertos em latim.
Literatura com L maiúsculo
A literatura gamer funciona como um primeiro contato dos jovens com uma longa leitura. Segundo Aline, através dessa experiência, espera-se que o leitor chegue até leituras mais “edificantes”, consideradas mais adequadas pela escola.
Por ser um produto da indústria cultural, esses livros demandam um grande esforço dos professores em fazer com que a leitura dos alunos seja um ato crítico, e não apenas por entretenimento, “enxergando naquele objeto aquilo que ele de fato é, um objeto de marketing, que busca prendê-lo enquanto consumidor”, diz.
“A escola tem que se repensar como um todo. Ela não pode ignorar a existência dessas mídias e estudar somente o livro enquanto o aluno se entretem com o videogame em casa”, pontua a pesquisadora, que cita alunos que começaram a aprender mitologia através dos jogos e estatística pelo Fifa.
“Você tem uma série de fatores que a escola poderia aproveitar, mas ela não aproveita porque prefere ignorar a existência dessas mídias ao seu redor e fazer um trabalho tradicional de leitura de livro, que é algo que eles [os estudantes] não aceitam mais”, critica Aline.