Em texto publicado na última edição da Revista da Faculdade de Direito da USP, a professora e doutora Juliana Pela oferece uma nova visão sobre o pintor holandês Rembrandt Harmenszoon: um dos pioneiros na junção de empreendedorismo e arte, de maneira que conceitos básicos do direito privado e do direito comercial podem ser ilustrados com sua trajetória.
As idéias do artigo se baseiam no livro O Projeto de Rembrandt: o ateliê e o mercado, da historiadora da arte Svetlana Alpers, que revê a vida e obra de Rembrandt e analisa as alegações que questionam a autenticidade de suas obras - de acordo com alguns historiadores, boa parte de seus quadros teria sido feita por seus alunos - para deixar claro que Rembrandt não era como os outros pintores de sua época, seja no estilo de suas pinturas ou na maneira de comercializá-las.
Primeiramente, ele era conhecido por não se importar em agradar seus clientes, fazendo um retrato fiel do que via e pensava, seja qual for a reação do retratado, ao contrário da maioria dos pintores, que procuravam uma posição confortável garantindo o apoio dos seus mecenas. Outra atitude que o isola de outros artistas contemporâneos era a de não seguir as regras de fixação de preço das guildas, que recomendavam vincular o valor das pinturas com o número de horas gastas para fazê-las.
Uma de suas excentricidades era o costume de participar de leilões e fazer lances altos para comprar obras, chegando a ficar endividado, com o fim de aumentar o valor médio da arte no mercado. “Rembrandt inovou ao criar um instrumento para financiamento de sua produção. Contraía empréstimos e, em pagamento, prometia entregar os quadros encomendados”, explica Juliana. “Essas promessas constavam de títulos, as Rembrandt Notes, que passaram a ser negociados em Amsterdam.”
Com estas notas promissórias iriam adquirindo valor conforme passavam de mão, aumentando o valor de suas obras com base na especulação, de maneira semelhante a como surgiu a célebre Bolsa das Tulipas na mesma época em Amsterdam. É comum a ambos, nas palavras de Alpers, ‘o espírito especulativo dos holandeses’, que Rembrandt soube explorar.
As Três Cruzes, 1653 (Fonte: Rijks Museum)
Para Juliana, a criatividade artística e empresarial do artista desafia conceitos tradicionais do direito que perduram até hoje. Por exemplo, costuma-se afirmar que, juridicamente, um artista não ser qualificado como empresário. Apesar de sua profissão, Rembrandt atuava como um verdadeiro comerciante, já que valia-se de métodos de produção no ateliê e de técnicas de colocação de suas obras em mercado.
Segundo o parágrafo único do artigo 966 do Código Civil Brasileiro, aquele que desempenha profissão artística não é considerado empresário. Contudo, o mesmo dispositivo legal prevê uma exceção à regra geral: aquele que desempenha profissão intelectual de natureza artística pode vir a ser considerado empresário se o exercício dessa profissão constituir ‘elemento de empresa’.
“Essa é a confusa e obscura dicção da lei, que causa dificuldades interpretativas aos doutrinadores e aos julgadores. A atuação de Rembrandt configuraria elemento de empresa? Difícil responder.” declara Juliana. “O que se pode dizer com segurança é que a atuação de Rembrandt torna ainda mais claros os equívocos e a inadequação do conceito de empresário no Brasil.”
O artigo pode ser lido no Portal de Revistas da USP