ISSN 2359-5191

20/06/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 79 - Sociedade - Faculdade de Educação
Em São Paulo e Paris, jovens LGBT enfrentam mesmos desafios com diferentes recursos
Tese se aprofunda nos contextos que levaram jovens ao ativismo LGBT nas duas cidades
Fonte: Os Entendidos, Revista Fórum

O acesso à informação e à instrução política, além dos constantes ataques aos direitos conquistados pela comunidade LGBT, fortalecem uma militância cada vez mais jovem e consciente. Ao perceber essa tendência, o professor universitário Marcelo Daniliauskas investigou a origem do movimento LGBT jovem de São Paulo e Paris, pesquisa que originou sua tese de doutorado Não se nasce militante, torna-se: processo de engajamento de jovens LGBT - Panorama histórico na cidade de São Paulo e cenário atual em Paris, defendida em março deste ano, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Ao entrar em contato com diversos grupos militantes em ambas cidades, o pesquisador reconstruiu dois contextos de formação identitária distintos: um provocado por ataques conservadores e outro pela popularização da internet.

Contextos distintos

Para a juventude LGBT parisiense, o estopim do desenvolvimento de um movimento próprio foi a discussão sobre a maioridade sexual na França.

Até o início da década de 1980, a idade de consentimento era de 15 anos para práticas heterossexuais e de 18 para homossexuais, diferença que podia punir militantes e casais LGBT menores de idade apenas por se relacionarem.

Somente em 1982, entrou em vigor a alteração no Código Penal da Assembleia Nacional francesa que equiparava as idades à 15 anos.

Deturpando a luta por equidade da idade de consentimento, políticos conservadores começaram a difamar ativistas LGBT chamando-os de pedófilos e o movimento foi pressionado a se distanciar dos membros mais novos, que se articularam em uma corrente jovem e independente de militância LGBT francesa.

No Brasil, desde 1940 a maioridade sexual é de 14 anos e não distingue práticas sexuais — por uma questão de invisibilidade da comunidade LGBT, não por tolerância sexual.

Dessa forma, a discussão que movimentava o ativismo brasileiro durante a década de 1980 era sobre a inclusão de uma cláusula contra a discriminação por orientação sexual na Constituição de 1988.

A distinção entre o movimento LGBT adulto e jovem no Brasil veio com a popularização da internet, em chats e em grupos de e-mail, onde os mais novos podiam compartilhar suas angústias e curiosidades discreta ou anonimamente. A internet teve importante papel e impacto mundial para a formação da identidade desses grupos, assim como para o reconhecimento da assexualidade.

“Apesar de serem contextos sociais e institucionais muito diferentes, as questões são as mesmas entre os jovens. A heteronormatividade ou heterossexismo, que parte do pressuposto de que todo mundo é compulsoriamente heterossexual, é forte na França também”, explica Marcelo, que conta que, nas duas cidades, testemunhou os mesmos desafios de descobrimento da sexualidade e da aceitação da família e de amigos.

Passada a fase do anonimato virtual, os jovens começaram a se encontrar em lugares públicos e a demonstrar companheirismo. Em seguida, Daniliauskas identifica a fase da promoção de assistência social através da formação de ONGs.

Igualdade, fraternidade e investimento

Na França, cada membro de uma ONG costuma doar uma quantia simbólica anual para a manutenção da organização e de suas iniciativas, que abrangem desde campanhas contra homofobia em eventos até a criação de albergues para acolher jovens homossexuais expulsos de casa.

Por trás disso, há também o apoio financeiro de Prefeituras e o estímulo à doação pelo abatimento no imposto de renda. “É uma estrutura diferente e o governo financia mais essas entidades, o que contribui para que elas permaneçam ao longo do tempo”, afirma Daniliauskas. “Em São Paulo, os grupos tendem a desaparecer. A instituição não se reproduz, criam-se novas. Já em Paris, perdeu-se de vista quem são os fundadores desses grupos, mas eles se mantêm [ao longo dos anos]”, nota.

Outro motivo para a perda da memória dos grupos parisienses é o anonimato que a conjuntura política exigia na época em que surgiram, quando os militantes podiam ser presos por expressar sua sexualidade antes de atingir a maioridade sexual.

Através desses investimentos, a comunidade LGBT parisiense providencia também mais vias de denúncia contra homofobia. “Aqui a principal forma de denúncia é uma ligação telefônica, o Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos [SDH do governo federal]. Lá, eles têm uma maior quantidade de canais, tanto pelo telefone quanto por correio ou pela internet, através de chats e de e-mail”, conta Daniliauskas, que também observou que essa diversidade de canais se reflete na quantidade de denúncias em relação a população de cada país.

Segundo o último Relatório sobre violência homofóbica no Brasil, feito em 2012 pela SDH, foram registradas 3.084 denúncias em uma população de aproximadamente 194 milhões de habitantes, estimada pelo IBGE. Já na França, o Relatório sobre a Homofobia, feito pela ONG SOS Homophobie no mesmo ano, revela que 1.977 denúncias foram realizadas entre 65,7 milhões de pessoas, de acordo com o instituto estatístico francês Insee.

Militar e resistir

No Brasil, a Secretaria de Direitos Humanos parou de produzir o relatório sobre homofobia desde 2012, enquanto as análises francesas continuam sendo divulgadas anualmente. Conforme o diagnóstico de Daniliauskas, esse “retrocesso” é percebido desde o veto da distribuição do material Escola sem Homofobia, pejorativamente chamado de kit gay.

Essa marginalização nas pautas do governo gerou uma nova noção de política no movimento, mais ativa e independente do poder institucional. “Para essa nova juventude e para as novas tendências políticas, política é transformar o mundo, sem necessariamente passar por um partido político ou pelo Estado. Não que os militantes não sejam vinculados a questões partidárias ou ao governo. Eventualmente, eles podem contar com a ajuda dele para provocar mudanças sociais”, esclarece Daniliauskas, “mas se eles não contarem, aquilo [o ativismo] não deixa de ser política. Política é transformar o dia-a-dia”, conclui.

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