Os Estados do Ceará e Piauí são os locais do Brasil com maior concentração de eolianitos, rochas sedimentares que são geradas a partir da ação do vento. Apesar deles possuírem características geológicas únicas e poderem constituir reservatórios de água subterrânea ou hidrocarbonetos, como petróleo e gás natural, através de seus poros (algo que já foi constatado em outros locais do mundo, como na Austrália, por exemplo), essas estruturas ainda são estudadas com pouca profundidade no país. Em vista disso, um grupo de estudos do Instituto de Geociências (IGc), formado por orientandos do professor Paulo César Giannini, busca investigar a história de formação e evolução dessas rochas para que, a partir do momento em que detalhes de seu desenvolvimento forem conhecidos, a sua identificação e estudo de propriedades econômicas possam ser realizados de maneira mais eficiente.
O grupo de pesquisa conta com Valentina Espinel e Renata Cagliarani, que estudaram estas formações rochosas dos dois Estados brasileiros — Valentina para sua dissertação de mestrado, e Renata para seu trabalho de conclusão de curso. Ambas investigaram como os vários fragmentos de outras rochas se juntaram até formar os eolianitos (evolução deposicional) e também estudaram a forma como ocorreu a litificação deles, ou seja, a transformação desses vários fragmentos juntos em uma rocha só. Essa é a denominada evolução eodiagenética dos eolianitos.
Após realizar uma revisão bibliográfica sobre o assunto, Valentina analisou diversas imagens de satélite com o intuito de demarcar a localização das rochas que pretendia analisar em seu trabalho. Depois, a pesquisadora foi a campo, onde efetuou medições de estratificações sedimentares, ou seja, certas “camadas” dos eolianitos, utilizando-se de bússolas. Foram coletadas, também, amostras de material.
Renata Cagliarani focou seu estudo dos eolianitos nas cidades de Luis Correia, no Piauí, e Trairi, no Ceará. A pesquisadora também realizou um trabalho de campo inicial, durante o qual fez algumas medições, mapeamentos e apanhou algumas amostras das rochas. Com essas amostras em mãos — geralmente retiradas do topo do material, onde as ações climáticas ocorrem de maneira mais intensa —, ela realizou diversas análises laboratoriais no IGc, juntamente com Valentina. Os principais exames efetuados por elas foram o teste de teor de carbonato (uma espécie de “cimento” presente na rocha), datações pela técnica LOE (Luminescência Opticamente Estimulada) e por Carbono 14, petrografia (que é a análise do tipo de cimento e de porosidade, por exemplo) e teste de granulometria, para descobrir o tamanho das partículas constituintes dessas rochas.
Resultados alcançados
A formação dos eolianitos está ligada ao transporte de areia na região causado pelo vento. Conforme a areia é carregada para dentro do continente, ela vai perdendo velocidade e se depositando em certos pontos. Isso ocorre repetidas vezes, o que determina a formação de várias “camadas de areia”, que possuem diversos ângulos de caimento. Através da estratigrafia, Renata mediu estes ângulos referentes às partes das dunas que se petrificaram e, assim, formaram os eolianitos — que, portanto, não são representados por uma duna inteira que se solidificou, mas sim a parte que teve sua raiz petrificada, diferentemente do resto da duna que continuou sua migração.
Duna com crosta petrificada na parte superior que representa o eolianito. Fonte: Renata Cagliarani.
Foi constatado, portanto, que os eolianitos se tratam de rastros lineares residuais de antigas dunas que se localizam na planície de deflação — ou seja, superfícies de alta atividade eólica que se responsabiliza pela remoção de sedimentos, deixando apenas aqueles “braços” da duna que, mais tarde, vêm a formar os eolianitos. Além disso, eles são considerados depósitos mistos por serem compostos por grãos terrígenos (quartzo, por exemplo) e bioclastos, que são fragmentos de origem biológica, como conchas ou algas vermelhas.
O grupo de pesquisa realizou a separação desses dois componentes e a datação de cada um por meio de técnicas distintas (LOE e Carbono 14), e concluiu que os eolianitos estudados possuem idade entre 1,2 mil e 3 mil anos, o que demonstra que se tratam de rochas recentes. Com esse mesmo estudo, foi identificado que a diferença de idade entre os minerais e os bioclastos é pequena — entre 700 e 300 anos, aproximadamente. Segundo Valentina, “isso mostra que, devido à abundância de bioclastos e forte ação do vento na região, a cimentação da rocha aconteceu de maneira bem rápida, algo que não é comum".
Por fim, as pesquisadoras também conseguiram determinar os fatores que contribuem para a distribuição espaço-temporal dos eolianitos. Segundo elas, é imprescindível a existência de um campo de dunas adjacente a uma plataforma rica em carbonato (que é a fonte do “cimento” que solidifica essas dunas). Além disso, é importante a ocorrência de clima seco com alguns intervalos de clima úmido que colaboram para o estabelecimento de vegetação em meio às dunas, algo que ajuda na infiltração de água. Assim, parte dos bioclastos é dissolvida e cimenta as dunas, o que, consequentemente, consolida os eolianitos.
Raízes de plantas petrificadas nos eolianitos. Fonte: Renata Cagliarani.