Segundo censo realizado em 2010 pelo IBGE, 5,1% da população brasileira possui algum tipo de deficiência auditiva, o que representa 9,7 milhões de pessoas. O quão representado esse grupo estaria sendo em âmbitos culturais? Pensando nisso, a pesquisadora Margarete de Oliveira, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), optou por investigar a importância do educador surdo como representante direto no atendimento desse público em espaços de cultura.
Margarete trabalha há 24 anos com acessibilidade em museus, e hoje atua na Pinacoteca do Estado de São Paulo. “Uma das questões que mais me inquietava durante todo esse período de atuação era como atender o público surdo dentro do museu”. A pesquisadora notou que, durante seus primeiros anos de trabalho, o atendimento de acessibilidade voltado para grupos surdos costumava ser feito por educadores ouvintes. “Notava-se uma dificuldade de compreensão linguística, já que o educador ouvinte precisava da ajuda de um mediador para passar para a língua de sinais. A compreensão sempre ficava no vazio”, admite.
“A pesquisa gira em torno da importância do educador surdo como mediador do processo de inclusão”, conta. Para realizá-la, foram estudados três museus que contavam com projetos de acessibilidade envolvendo profissionais com deficiência auditiva: A Pinacoteca, o Museu de Arte Moderna (MAM) e o Museu Afro Brasil, todos em São Paulo. O MAM possui um programa de formação voltado para educadores surdos, e todos os profissionais presentes nos museus estudados por Margarete passaram por esse processo.
A formação é estruturada na leitura de textos de arte, preparação de exercícios e no trabalho de desenvolvimento da relação entre a língua materna do profissional, que é a libras (linguagem brasileira de sinais), e a língua portuguesa falada. “O objetivo não é que esse educador se transforme num mediador de história da arte, mas que ele faça um processo de mediação dentro dessa língua que permita que esse público possa compreender acervos”.
Margarete relata que a presença desse profissional no mercado é escassa: “Hoje em São Paulo a gente tem seis ou oito educadores surdos atuando, mas com contratação efetiva e desenvolvimento em museus são apenas três”. A carência seria resultado da dificuldade encontrada pelo surdo para ingressar no ensino superior: “O que barra é o acesso que essa pessoa vai ter ao ensino e formação”.
Exemplo de atividade feita com o público surdo,
na Pinacoteca / Crédito: Bianca Kirklewski
Cultura e identidade surda
A pesquisadora acredita que quando um surdo vai ao museu e é atendido por um educador com a mesma deficiência, ele se sente representado. “É como se a identidade dele estivesse presente nesse espaço. Ele sente uma vontade maior de retornar”.
Margarete embasou sua tese na socio-antropologia da surdez. “Trata-se de não ver a deficiência, mas sim a linguagem e cultura desse grupo”, explica. “Apesar do educador estar navegando entre duas línguas, é importante que a cultura dele seja respeitada acima de tudo”.
Vídeo-guia em Libras, na Pinacoteca / Crédito: Bianca Kirklewski
Importância da linguagem visual
A libras é uma língua viso-espacial. Isso significa que nela existe uma ligação significativa entre a imagem e a comunicação. Pensando nisso, os atendimentos de públicos surdos são tomados por atividades envolvendo os quadros dos museus. “Quando você tem cenas da história do Brasil representadas em um quadro, é possível articular jogos e propostas de atividades poéticas que permitem que o surdo assimile o que quer dizer esse momento histórico”.
Margarete exemplifica com um jogo de associação de palavras: “A partir de um quadro, cria-se, em uma carta, um jogo de palavras que vão transmitir o que a imagem diz. E quando eu vou procurar o quadro, eu relaciono as palavras dessa carta com os elementos do quadro”. Apesar de simples, o exercício relaciona vocábulos com a representação concreta de imagens, fazendo com que o surdo enriqueça sua linguagem. “Essas palavras são transformadas em imagens e a pessoa surda amplia seu vocabulário, não só em libras como em português. Porque o surdo, querendo ou não, vive no mundo do ouvinte. A gente não deve negar a língua dele, mas ao mesmo tempo, ele precisa do português nesse processo de convívio”.
Jogo de associação de palavras, na Pinacoteca / Crédito: Bianca Kirklewski