Pesquisa realizada na Faculdade de Odontologia da USP sugere que a formação atual de profissionais da área promove o que se descreveu como ensino da “odontologia in vitro”: a visão do paciente como elementos dentários isolados, e não uma pessoa inserida em um contexto social e uma realidade específica.
Segundo a pesquisadora Graciela Fonsêca, “bocas carregam marcas das desigualdades sociais e, por isso, a atuação sobre elas precisa ir além da esfera biológica”. Ela explica que esse modelo de odontologia impessoal começou a ser posto à prova com o Programa Brasil Sorridente, que a partir de 2004 ampliou o número de equipes de saúde bucal nas Unidades Básicas de Saúde, do SUS. O acesso facilitado da sociedade aos tratamentos e métodos preventivos odontológicos permitiu uma maior compreensão dos pacientes em seu contexto sócio-cultural.
Essa mudança no âmbito profissional não pode ser completa sem uma mudança igualmente significativa na formação de novos profissionais. A formação acadêmica tradicional do profissional de odontologia é voltada à atuação em clínicas e consultórios privados e ao atendimento padronizado de pacientes, sem levar em consideração as nuances pessoais de cada um.
A conclusão da pesquisa foi que a formação pela experiência é uma forma eficiente de se superar o ensino da odontologia “in vitro”. Um modelo de estágio que coloca os estudantes em contato com as realidades das UBS e seus pacientes foi testado e se provou eficiente nesse sentido. “É na realidade que se encontra o sujeito paciente em sua completude”, afirma Graciela.
As experiências de estágios permitem um alinhamento entre os objetivos dos professores, dos estudantes e dos pacientes. No modelo tradicional, apenas as duas primeiras categorias estão alinhadas, visando à formação dos graduandos. O foco na finalização do processo é um dos motivos pelos quais os métodos se tornam impessoais e distantes.
O objetivo dos pacientes, segundo a pesquisadora, é a solução de seus problemas bucais. O atendimento que recebem, no entanto, é programado de forma a atender aos anseios e metas das duas outras categorias. Por parte dos professores, eles são vistos como uma ferramenta de aprendizado. Por isso, os pacientes tendem a compartilhar os seus descontentamentos com o funcionamento das clínicas com os próprios alunos, que estabelecem um convívio mais próximo com eles.
A pesquisa identificou, ainda, outro obstáculo para a maior humanização do aprendizado: os métodos de seleção dos pacientes nas clínicas. Graciela relata que, nas clínicas das faculdades, eles são separados de acordo com as necessidades de cada disciplina. Assim, se um paciente apresenta mais de um tipo de problema bucal, ele será encaminhado entre diferentes clínicas que fazem tratamentos específicos. Isso causa frustração e ressentimento, já que a pessoa acaba sendo tratada como uma unidade de treinamento técnico para os graduandos.
A superação do modelo de ensino da odontologia “in vitro” significa adotar métodos que prezem pela parte humana do atendimento ao paciente, mais do que o conhecimento técnico ou o saber acadêmico. “[No modelo proposto] o paciente é entendido como parte do processo de cuidado, sendo ouvido e tendo seus saberes valorizados. Assim, a intervenção em saúde se torna mais efetiva”, afirma Graciela. O seu trabalho pode ser acessado, na íntegra, no banco de teses da USP.