Um projeto conseguiu reduzir a taxa de infecção de corrente sanguínea nas unidades de terapia intensiva (UTIs) de um grupo de hospitais do estado de São Paulo. A ação teve como foco as infecções relacionadas à inserção de cateteres centrais e foi comandada pelo Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), com apoio da Faculdade de Medicina, da Escola de Enfermagem e do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo.
Nas UTIs, vigia-se todo tipo de infecção associada ao uso de dispositivos invasivos, sendo que as três mais comuns são: a pneumonia, associada a ventilação mecânica, a infecção de trato urinário, causada pelo uso de sonda vesical de demora e a infecção de corrente sanguínea, relacionada ao cateter central. Sobre este dispositivo, vale ressaltar que ele fornece um acesso mais fácil a vasos sanguíneos de calibre grande, o que facilita a injeção de medicamentos, soro ou sangue em pacientes em estado grave. No entanto, a professora associada da FMUSP, Anna Sara Levin, pondera que “por invadir uma região próxima a órgãos centrais, se não manuseado corretamente, ele pode ser uma porta de entrada para infecções severas”.
Ao olhar os dados que a Secretaria de Estado da Saúde coleta sobre esse tipo de doença desde 2004, foi possível notar que as taxas de infecção de corrente sanguínea se mantiveram constantemente elevadas. Por essa razão, uma equipe do CVE decidiu iniciar um programa para tentar entender e reduzir esses números. Assim, com ajuda de professores da USP, foi montado um grupo piloto com 60 hospitais que representavam o cenário estadual. Cada um deles montou uma comissão, que precisava contar impreterivelmente com um membro da UTI e um representante do serviço de controle de infecção.
Inicialmente, esse grupo de hospitais foi chamado para reuniões periódicas durante um ano na Secretaria da Saúde. Segundo Denise Brandão de Assis, médica e coordenadora da ação, os objetivos dos encontros eram pensar em soluções conjuntas para o problema e acompanhar como as medidas desenvolvidas estavam sendo aplicadas nas unidades de terapia intensiva. “Por meio de observação direta, a gente percebeu que as medidas trouxeram uma melhora nos processos de trabalho, o que acarretou numa redução nas taxas de infecção”.
Infecções e medidas de cuidado
Anna Sara explica que uma das ações iniciais, além de observar o funcionamento das UTIs, era a realização de um questionário para avaliar o conhecimento dos funcionários sobre infecção hospitalar. Como todos os hospitais obtiveram médias altas, o CVE entendeu que o problema não era de conhecimento, mas de aplicação. Através da observação, percebeu-se que muitas vezes as pessoas se esqueciam de higienizar as mãos antes de manipular o cateter e também não o desinfectavam quando iam aplicar algum medicamento ou soro. Além disso, notou-se que o curativo que o cobria não ficava seco e limpo todo o tempo, como é recomendado.
Com base nessas informações, as reuniões discutiram o que poderia ser elaborado para melhorar o quadro e decidiram adotar quatro medidas centrais, que os hospitais podiam escolher aplicar ou não. Foram elas: capacitar os profissionais atuantes nas UTIs, aumentar a disposição de álcool gel para higiene das mãos, implantar o kit de inserção de cateter (reunião de materiais necessários para a colocação do dispositivo, como touca, gaze e agulha) para os hospitais que ainda não o utilizavam e aderir ao cateter de inserção periférica (PICC), que é passado via um vaso sanguíneo periférico, trazendo menos risco de contaminação de uma área central do corpo.
Troca de experiências
Mesmo quando um hospital optava por não adotar nenhuma das quatro medidas desenvolvidas, as taxas de infecção caiam. Anna Sara comenta que era esperado com o projeto que fosse encontrada uma medida que resolveria o problema dos hospitais, como o uso de um antisséptico específico, mas isso não ocorreu. “Se o hospital não fizesse nada e só viesse para a reunião discutir, ainda veríamos a taxa cair, porque subitamente conversava-se sobre o assunto, movimentava-se a questão”, complementa a médica.
Para Denise, o problema maior era de implementar o conhecimento que a equipe de saúde já tinha. Segundo ela, desde os anos 2000 já se estudaram medidas eficientes de prevenção de infecção, com bons trabalhos publicados, era só colocar em prática o conhecimento que a universidade gerou. “Esse projeto mostrou que faltava uma mobilização, mas que quando há diálogo e participação ativa do estado, isso contribui para que os hospitais consigam diminuir suas taxas”.
Desdobramentos do projeto
Da mesma maneira que uma tese de mestrado que buscava reduzir os índices de infecção hospitalar no Hospital das Clínicas inspirou o projeto piloto do Centro de Vigilância Epidemiológica, essa ação agora se desdobrou e originou uma segunda fase. O CVE, ainda em parceria com a Universidade de São Paulo, selecionou os 127 hospitais do estado com as taxas mais elevadas de infecção em 2013 e os convidou para participar de um projeto análogo.
Denise explica que eles dividiram os hospitais em dois grupos de 64 e 63, para que fosse viável a realização de reuniões, e seguiram aplicando as táticas aprendidas com o grupo piloto. “A gente encontra pontos de dificuldade comuns, então as saídas também são comuns. Os próprios hospitais vêm para a reunião e observam o que funcionou com o outro e aplicam”, complementa.
As análises dos resultados do primeiro grupo de 64 hospitais já sairam e mostrou uma taxa de redução de 31% nas infecções de corrente sanguínea nas UTIs. “É um índice significativo, que implica em menos tempo de internação para o paciente, menos gasto para o hospital com antibióticos e menos mortes”, afirma Anna Sara.