Profissionais que integram a equipe Saúde da Família estão mais sujeitos a sofrerem de depressão, esgotamento profissional e presenciarem ou serem vítimas de violência no trabalho, indica estudo da Faculdade Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Conduzido pela médica Andrea Tenório e orientada pelo professor Paulo Menezes, a pesquisa integra um programa maior chamado estudo Pandora-SP (em tradução livre, panorama sobre os trabalhadores da Atenção Básica de saúde de São Paulo: depressão, justiça organizacional, violência no trabalho e esgotamento profissional) e conta com parceria da Universidade de Columbia.
A Estratégia Saúde da Família é uma ação do governo federal que visa reorganizar a atenção básica brasileira, que é a porta de entrada do Sistema Único de Saúde e é formada principalmente pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Esse programa coloca uma equipe nuclear — composta por médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários — para atuar territorialmente numa área da cidade que contenha no mínimo três mil cidadãos, de modo que se equilibre e controle a saúde de todos os membros das famílias da região.
O estudo foi o primeiro a avaliar a saúde de todos esses profissionais que compõem a atenção básica, e os resultados foram alarmantes. Foi descoberto que 16% dessas pessoas apresentam características que indicam depressão, enquanto a porcentagem para a população da cidade de São Paulo é de apenas 9,4%. Também foram encontrados dados ainda mais preocupantes para os níveis de esgotamento profissional ou burnout: cerca de 60% desses indivíduos possuem aspectos moderados ou graves dessa síndrome. “Os profissionais da Saúde da Família estão mais doentes do que a própria população que eles cuidam”, constata Andrea.
A pesquisadora complementa que caberia a esses profissionais resolver cerca de 80% dos casos que chegam até as UBSs, mas que isso não ocorre, já que os componentes da equipe estão adoecidos. Então, essa estratégia governamental que atende mais de 122 milhões de pessoas é prejudicada. “Estudos comprovam que um profissional com burnout, por exemplo, comete mais erros de prescrição e diagnóstico, mais negligência médica, o que repercute diretamente na qualidade do cuidado que é ofertado para a população”, pontua a médica.
Sobre as causas dos sintomas de depressão e esgotamento profissional, o estudo apontou para diferentes sentidos. Houve uma percepção de que presenciar ou ser vítima de violência pode causar depressão. Também foi notado que grupos que atuam com população mais vulnerável e em áreas de favela, cortiço ou invasão apresentavam maior risco de ter burnout. Além disso, a pesquisa indica que há mais casos de problemas mentais nos agentes comunitários do que nos médicos, por exemplo, o que associa a questão com o tamanho de envolvimento na vida comunitária cotidiana.
No entanto, o próprio estudo busca encaminhar soluções para os gestores. Andrea indica que talvez possa haver alterações nos modelos de divisão de área de atuação, de modo que nenhuma equipe se sobrecarregue com população vulnerável. Ela também comenta que os gestores podem melhorar o diálogo entre os profissionais da equipe e desenvolveram um sistema de feedback para darem o retorno sobre o trabalho deles, assim o engajamento com a profissão aumentaria e os riscos de burnout diminuiriam.
A médica ainda comenta que começou a desenvolver o estudo quando percebeu que depois de dois anos de trabalho na equipe de Saúde da Família, os profissionais começavam a apresentar sintomas de depressão e burnout e eram afastados. Por isso, ela desenvolveu um projeto de mestrado, depois de doutorado e agora está ampliando a pesquisa no pós-doutorado com o Pandora.