Com a adoção do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como uma das principais formas de admissão em universidades públicas e privadas, o ingresso ao ensino superior está cada vez mais presente no horizonte dos jovens brasileiros. Essa aproximação tem influenciado o conteúdo que é dado nas escolas e, às vezes, entra em conflito com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que baseiam o que deve ser ministrado em classe.
Em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Educação da USP, o professor Cosme Freire Marins examinou as diferenças e semelhanças entre o que é cobrado nos vestibulares e o que é proposto no PCN de História.
Foram analisadas perguntas feitas entre 2009 e 2013, do Enem e dos seis vestibulares das universidades mais concorridas e com maior número de graduandos e pesquisas: as três estaduais de São Paulo (USP, Unesp e Unicamp) e as federais de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco (UFMG, UFRJ e UFPE).
Os desafios do vestibular
Segundo Marins, competências e habilidades como a capacidade de fazer leituras de imagens e charges são cobradas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e estão bastante presentes nos vestibulares. Enquanto isso, a interdisciplinaridade cobrada pelo PCN aparece com pouca frequência nos processos seletivos.
Há duas maneiras de se aplicar a interdisciplinaridade nos vestibulares. Podem ser exigidos tópicos dentro de uma mesma área de conhecimento, como questões que abrangem assuntos de História interligados com a Literatura ou a Geografia, ou de áreas do conhecimento distintas, questões que são mais raras, como um exercício da Fuvest de 2010, que demandava o domínio de noções de proporções matemáticas e da periodização histórica.
Questão chama atenção por unir diferentes áreas do conhecimento. Fonte: Fuvest/ 2010/ Tese de Cosme Freire Marins
Além desse desafio, “há a dificuldade em avaliar a competência do desenvolvimento da subjetividade do aluno, a compreensão de que ele é um sujeito histórico a partir do estudo de eventos históricos”, afirma o pesquisador. “O problema é como avaliar esse tipo de subjetividade. É difícil criar uma questão que mensure isso”.
O que estudar?
Outro aspecto dos vestibulares é a cobrança mais frequente de assuntos consolidados no ensino e menos frequente de temas que ainda são pouco estudados nas universidades. "O conhecimento acadêmico que produzimos encontra uma defasagem para chegar na escola e, às vezes, nem chega. Além disso, a instituição escolar constrói um currículo próprio, não necessariamente em acordo com a produção universitária”.
Como mostra uma reportagem da Folha publicada no final do semestre passado, as escolas ainda resistem ao ensino de alguns assuntos, pois não são cobrados com frequência nos vestibulares, mesmo que haja a obrigatoriedade do ensino determinada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Entre os assuntos mais abordados, Marins observa também que há preferência por acontecimentos recentes, mas não imediatos. “De todas as disciplinas, eu entendo que a História é a mais complexa, porque os conteúdos tendem só a aumentar”, afirma. “A cada ano que passa você tem mais elementos para abordar, o que pressupõe escolhas. Ao desenhar um currículo você tem mais embates entre os atores do processo, como o MEC, as Secretarias de Educação, as escolas e os professores”.