A Editora Intermeios, em coedição com a Fapesp, publicarão o livro A (in)visibilidade de um legado: seleta de textos dramatúrgicos inéditos de Júlia Lopes de Almeida. O título se baseia na pesquisa Júlia Lopes de Almeida em Cena: Um Estudo Sobre sua Produção Artística Inédita, da mesma autora, Michele Asmar Fanini, doutora em sociologia e pós-doutora pelo Instituto de Estudos Brasileiros pela USP. No livro, planejado para sair em setembro, a autora pretende reunir os textos dramáticos de Julia Lopes, de um modo a levantar uma discussão sobre as imbricações entre arte e gênero, constituindo um trabalho que se encontra entre a sociologia, a história e a literatura.
Julia Lopes desenvolvera gosto pelas artes dramáticas desde cedo. O primeiro registro surge aos 19 anos, quando vai ao Teatro Municipal de Campinas acompanhada do pai, Valentim Lopes Vieira. Valentim, então, incentiva a filha a escrever sobre o espetáculo, pelo qual se mostrou encantada. O texto foi publicado em 1881, na Gazeta de Campinas, com o nome Gemma Cuniberti. E apenas dois anos depois, Julia escreve a peça O Caminho do Céu, que se revelou ser, até então, sua primeira criação nas artes dramáticas. É interessante notar, porém, que se trata de uma peça inédita, presente no livro de Michele Fanini.
Imagem baseada na aquarela de Rodolfo Amoedo, publicada na revista A Cigarra com a legenda “Este quadro fixa a mais fiel imagem de Dona Julia ‒ sentada a sua mesa de trabalho, a escritora que, em mais de vinte volumes, retratou sua época”
Sabe-se que Julia escreveu, ao longo de sua carreira, 15 peças, sendo que apenas quatro delas foram publicadas (A Herança, Quem Não Perdoa, Doidos de Amor e Nos Jardins de Saul), sendo as demais ainda inéditas e, diga-se de passagem, inexploradas. Destes textos, dez foram descobertos pela própria Michele, como noticiado pela AUN. São eles: A Última Entrevista, A Senhora Marquesa, Vai Raiar o Sol, As Duas Irmãs, Laura, O Dinheiro dos Outros, As Ortigas, Os Humildes e O Broche, além do já citado O Caminho do Céu.
De acordo com a pesquisadora, essa desproporção entre a produção e as publicações de autoras entre os séculos 19 e 20 mostra que existiu um processo de invisibilização da produção feminina da época, o que torna o trabalho da pesquisadora necessário. Para as mulheres que almejavam uma produção artístico-literária, “as portas dos fundos das instâncias de consagração estavam, na melhor das hipóteses, entreabertas”, ilustra Michele. É por isso que seu trabalho quase arqueológico de “escavações documentais”, como ela mesma diz, é fundamental. Talvez, assim, mais mulheres possam alcançar este espaço.