Setores macro de interesse público, como a saúde e o comércio, possuem organizações que centralizam o controle e a regulamentação de suas atividades: a OMS e a OMC, respectivamente. O mesmo não acontece com o meio ambiente. A governança ambiental global é fragmentada, e o comando da área não está concentrado em nenhum organismo. Essa descentralização acaba por “dificultar a proteção do meio ambiente em si”.
Quem diz isso é o pesquisador da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Icaro Demarchi Araujo Leite, que concluiu tese de doutorado sobre o tema. O trabalho, feito em convênio com a Università di Bologna, propõe a união dos diversos setores interessados na questão do meio ambiente, como as ONGs, as empresas, os fundos de investimentos “verdes” e a própria ONU.
Organização Mundial do Meio Ambiente (OMMA)?
Tendo a fragmentação da governança ambiental global no horizonte, um mecanismo de centralização como o consolidado pela saúde e pelo comércio é algo levantado por estudiosos da área. Segundo Leite, este hipotético órgão “ficaria responsável por emanar as normas, organizar as convenções, os tratados, as conferências e assim por diante”.
Para o pesquisador, porém, as disputas entre países com nível de desenvolvimento e interesses distintos torna uma Organização Mundial do Meio Ambiental inviável, ao menos por ora. “Uma OMMA só seria possível de ser alcançada em uma situação em que a sociedade internacional for mais cosmopolita. No seguinte sentido: menos fronteiras, mais facilidade de troca de informações, com o comércio um pouco mais livre”, explica.
PNUMA?
Outra alternativa, apontada por estudiosos, para centralizar as ações relacionadas à proteção do meio ambiente, é o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), criado à época da primeira conferência mundial sobre o tema, em Estocolmo. Para Leite, porém, um dos empecilhos para que o organismo se estabeleça como o centralizador da governança ambiental global, é a localização.
O PNUMA é o único órgão internacional da ONU que encontra-se abaixo da linha do Equador, tendo sua sede em Nairóbi, no Quênia. “Você tem uma dificuldade de logística. A sede da ONU está em Nova Iorque, inúmeras outras sedes estão na região europeia. Você tem uma dificuldade simples de logística, de se deslocar para lá”, explica Leite. Apesar da complicação, o pesquisador ressalta que “a ideia de se criar lá foi extremamente interessante à época, (...) só que essas dificuldades que existem, sendo uma delas a distância, acabaram atrapalhando um desenvolvimento melhor por parte do programa”.
Conselho de Meio Ambiente
Inúmeros órgãos foram criados a partir da Carta das Nações Unidas. Um deles, o Conselho de Tutela, tinha como objetivo tutelar estados que, no contexto do final da Segunda Guerra Mundial, haviam sido anexados por outros países, ou que, apesar de ter certa soberania, não lograram sucesso em atingir a independência. O último país sob a tutela desse Conselho foi Palau, que em 1994 tornou-se um Estado membro da ONU. Desde então, ainda que mantenha a sua estrutura e continue existindo institucionalmente, o órgão está inativo.
Considerando a inviabilidade de criar uma Organização Mundial do Meio Ambiente ou de centralizar as ações relacionadas ao tema no PNUMA, o agora doutor em direito propõe em sua tese a transformação do Conselho de Tutela da ONU em um Conselho de Meio Ambiente, aproveitando da “proximidade jurídica” entre a tutela territorial e a tutela ambiental.
“Dentro desse Conselho, ficariam representados (...) aqueles [países] que fazem parte do Conselho de Segurança da ONU [China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia] e outros países (...) detentores de vastas áreas ambientais, como Canadá, China, Índia, Brasil, países da África como o Quênia e assim por diante, para tentar, conjuntamente, identificar as melhores soluções”, explica Leite. Contando com forte representatividade dos países que compõem a governança ambiental global, o Conselho de Meio Ambiente seria o órgão centralizador da discussão sobre o tema.
Novos sujeitos
Além da criação do organismo de tutela ambiental, o pesquisador aponta a participação direta de dois novos sujeitos como fundamental para otimizar o debate acerca do meio ambiente: as ONGs e as empresas. Em sua tese, tanto as organizações não governamentais, quanto o setor empresarial estariam inseridos sob o “guarda-chuva” do PNUMA, que, logo abaixo do Conselho de Meio Ambiente, abarcaria os dois setores e se fortaleceria com os fundos “verdes”, como o Fundo Mundial para o Ambiente (GEF, na sigla em inglês).
Em relação às ONGs, Leite explica que, apesar de muitas delas já atuarem nos organismos internacionais desde a criação da ONU, uma maior inserção dessas dentro do “sistema” de discussão ambiental trará benefícios para a proteção do meio ambiente. “Elas [as organizações não governamentais] servem para criticar aquilo que está sendo feito, auxiliar na fiscalização daquilo que devia ser feito e trazer novas propostas”, explica o pesquisador. Em sua tese, ele destaca tanto a participação das ONGs globais, como o Greenpeace ― que traz visibilidade mundial para as questões ambientais ―, quanto as ONGs pequenas, que trazem à tona as questões “micro”.
Já em relação ao setor empresarial, Leite aponta a necessidade da conservação das matérias-primas básicas para a fabricação dos produtos como propulsora da “mudança de entendimento do papel da empresa perante o meio ambiente”. A partir dessa percepção, o pesquisador aponta que há maior interesse do setor em promover a sustentabilidade, e que essa nova postura das empresas deve ser usada a favor da governança ambiental global.
“O ideal seria que essas empresas também pudessem ser membros observadores do PNUMA, no sentido de trazer aquilo que é possível de se fazer em termos de tecnologia, de mudanças que podem ser realizadas, e dar uma certa realidade para aquelas decisões”, explica Leite.
Estrutura
Para o pesquisador, um Conselho de Meio Ambiente como centralizador, tendo o PNUMA ― fortalecido com os fundos ambientais, as empresas e as ONGs ― como órgão propulsor da proteção do meio ambiente, é uma solução viável a curto prazo para desfragmentar a governança ambiental global.
“Essa estrutura é de uma governança ambiental global mais centralizada, melhor fechada. Ela vai ser capaz de diminuir dúvidas, (...) ela pode ser um centro de solução de conflitos e controvérsias, pode servir de ponto de apoio para os demais órgãos da ONU. Ela pode servir como propulsora de educação ambiental, porque isso é importantíssimo”, finaliza Leite.