Os machos de algumas espécies de aranha confeccionam, a fim de convencer as fêmeas a aceitá-los como parceiros sexuais, um “presente nupcial” a partir de uma presa. Em 2009, um pós-doutorando do Instituto de Biociências da USP (IB-USP) descobriu que somente 16% dos machos que não fazem presentes conseguem copular. Inspirado por esta revelação, Glauco Machado, professor do IB e responsável pelo Laboratório de Comportamento de Artrópodes e Evolução, iniciou uma nova pesquisa, desta vez para relacionar o histórico alimentar destes indivíduos à produção de presentes nupciais.
Outros dois trabalhos prévios influenciaram o projeto: um primeiro realizado no Uruguai que indica que machos privados de alimento durante a fase adulta tendem a comer todas as presas, sem construir presentes. O outro, concretizado na Espanha, apontou a falta de alimentação durante o desenvolvimento das fêmeas como fator determinante para que elas se transformem em canibais e impeçam os machos de se aproximarem. A partir destes resultados, Machado construiu um modelo de pesquisa que separava os machos adultos em dois grupos: bem alimentados e mal alimentados.
Durante três semanas, os indivíduos dos dois grupos receberam comida em proporções diferentes, sendo que os bem alimentados comiam seis vezes mais do que os mal alimentados. Ao final deste período, os machos foram colocados em placas de Petri que continham seda de fêmeas receptivas e receberam uma presa. “Como era esperado, praticamente todos os sujeitos mantidos em dieta farta produziram presentes, enquanto pouquíssimos dos mal alimentados o fizeram”, conta o professor.
Machado revela que esta parte do estudo era preliminar e que os resultados eram previsíveis. Segundo ele, “a beleza do projeto está nesta segunda etapa”. O professor se refere a uma nova divisão que foi feita dentro dos grupos, gerando um total de quatro: cada um dos originais foi separado entre bem e mal alimentados. Após um hiato de uma semana, novamente os indivíduos receberam uma presa.
Os machos mantidos em regime farto durante ambos os períodos construíram presentes, assim como seus pares que passaram a comer menos (estes em menor porcentagem). Os fracamente alimentados nos dois intervalos também mantiveram o esperado e praticamente não produziram presentes. Os que passaram a comer bem, por sua vez, continuaram sem envelopar suas presas.
O pesquisador fez ainda um terceiro teste, mantendo os grupos do segundo, depois de mais sete dias. Segundo ele, todos mantiveram os resultados, e os machos promovidos ao regime de fartura continuaram a comer suas presas. “A probabilidade destes indivíduos produzirem presentes era minúscula”, complementa. Ele explica que o histórico pregresso de fome durante as três semanas iniciais obriga os machos, instintivamente, a se alimentarem mesmo quando satisfeitos. “O trauma da fome gera este comportamento hiperfágico”, conclui. Depois da conclusão deste último teste, o pesquisador removeu os presentes que foram confeccionados e os pesou. Neste processo, algo interessante surgiu: enquanto as ofertas dos machos bem alimentados eram grandes e envoltas em bastante seda, as dos mal alimentados eram bem menores e com pouquíssimos fios de seda envolvendo-as. Machado descobriu que os últimos comiam 80% de suas presas em “embalavam” o resto para presentear a fêmea. Segundo ele, isto é uma “estratégia de sobrevivência. O macho se alimenta, mas mantém alguma chance de copular”.
No momento, a pesquisa busca identificar o método utilizado pela fêmea para selecionar seu parceiro, bem como a importância de um presente vistoso neste processo. O professor Machado acredita que “da perspectiva da fêmea, o presente pode ser muito informativo”. Segundo ele, isto acontece, pois uma oferta “pomposa” significa que o macho se alimentou bem não só na última semana, mas também durante toda sua vida adulta.
Indiretamente, um bom presente aponta a destreza do macho como caçador, sua habilidade para fugir de predadores, sua capacidade de identificar os melhores locais para caça, entre outras virtudes. A fêmea deve, então, escolher os parceiros de acordo com a “qualidade” do presente que recebe. Mas ainda é cedo para afirmar isto categoricamente, já que é justamente este o objeto atual de pesquisa de Machado.