Por meio da análise do que se acredita ser a mais extensa coleção de amostras reunidas desde os anos 1970, o pesquisador do Museu de Zoologia da USP (MZ), Paulo Pachelle, confirma a validade de sete espécies de camarão de água doce previamente descritas e propõe a existência de duas novas relacionadas a já conhecida Euryrhynchus amazoniensis.
O estudo demonstra que, apesar das similaridades gerais com o E. amazoniensis, as novas espécies apresentam características anatômicas únicas localizadas na carapaça (ângulo pterigostomial), nas patas torácicas (pereiópodos) e nas patas abdominais (pleópodos).
O camarão de água doce, família Euryrhynchidae, pode medir até três centímetros e não costuma ser utilizado para consumo humano. Por outro lado, o gênero Euryrhynchus desperta interesse comercial no ramo do aquarismo, uma vez que tem atributos ornamentais. Sua distribuição geográfica se concentra na América do Sul e na África Ocidental. No caso das duas novas espécies, a distribuição está mais restrita à região amazônica, especificamente aos estados do Amazonas, Rondônia e Roraima.
Descobrir para preservar
Teses envolvendo a descoberta de novas espécies têm impacto na criação de políticas públicas destinadas à preservação da biodiversidade, na medida em que ajudam a compor um panorama mais amplo e detalhado da fauna.
Graças à rede de contatos estabelecida entre o MZ, sob direção do professor Marcos Tavares, e as curadorias de outros museus brasileiros e estrangeiros, o carcinólogo Paulo Pachelle pôde observar e documentar as características fisiológicas, evolutivas e anatômicas do camarão de água doce. O material estudado contou com amostras do próprio MZ, além do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (IMPA), do Museu Nacional da UFRJ e do Museu de História Natural da Universidade de Oxford, entre outros.
América do Sul e África: uma história em comum
Há cerca de 130 milhões de anos, a formação geológica da Terra se dividia em dois supercontinentes: Laurásia (América do Norte, Europa e Ásia do Norte) e Gondwana (América do Sul, África, Índia, Oceania e Antártica). A fragmentação desses territórios teria dado origem à configuração de continentes atual, tese sustentada por estudos nos campos da geologia e da biologia.
Ao analisar a família do camarão de água doce, a tese de Paulo Pachelle resgata mais uma parte da história de Gondwana. Na comparação entre os gêneros Euryrhynchoides, presente na África, e Euryrhynchus, na América do Sul, a pesquisa aponta a existência de características compartilhadas entre eles, o que sustentaria a hipótese de uma ancestralidade comum.
Ilustração: Carla Camila Garcia
Com a separação da América do Sul e da África, o grupo ancestral de Euryrhynchus e de Euryrhynchoides teria se dividido em duas populações, cada qual evoluindo segundo seu novo habitat, porém sem perder completamente alguns dos traços comuns que permitem reconstituir sua relação de parentesco. “É como montar um quebra cabeça onde as peças estão em partes diferentes do mundo”, afirmou Pachelle.