Uma parceria entre a Universidade de São Paulo e a Universidad de Antioquia, na Colômbia, resultou em um estudo sobre a situação dos assentamentos populares após projetos de urbanização. Com foco de pesquisa nas cidades de São Paulo e Medellín, o intuito foi avaliar quais as semelhanças e diferenças que continham entre si.
Maria de Lourdes Zuquim, membra do Núcleo de Apoio à Pesquisa Produção e Linguagem do Ambiente Construído, vinculado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, e coordenadora do projeto afirma que foram formadas duas equipes, com as quais foram socializadas as mesmas bases conceituais e metodológicas para estudar os assentamentos populares. “Depois, definimos duas linhas de análise: uma quantitativa, que lidou com dados e projetos realizados pelo poder público e outra qualitativa, que buscou elencar como os ganhos e perdas se dão nesses espaços depois da intervenção”, completa.
Vila Nova Jaguaré, São Paulo. Foto: NAPPLAC/USP
Zuquim conta que, por volta dos anos 2004, ambas as cidades foram alvo da ação do Estado de forma mais incisiva. Em 2002, foi aprovado o Plano Diretor Estratégico do Município na capital paulista, além da instituição do Programa de Urbanização das Favelas. Tal programa tem como principal objetivo regularizar as favelas e transformá-las em bairros, provendo aos moradores saneamento básico, iluminação e infraestrutura necessária para o desenvolvimento das atividades cotidianas. Ademais, há também o intuito de preservar áreas protegidas, como o entorno dos grandes reservatórios hídricos Guarapiranga e Billings.
Em Medellín, dois foram os grandes projetos de reurbanização: na virada do século 21, entrou em vigor o Plan de Ordenamiento Territorial, com atualizações em 2006 e 2014, e, em 2004, implementou-se o Proyecto Urbano Integral. Por meio de três pilares (social, institucional e físico), o PUI foi um instrumento de intervenção nos assentamentos com total participação da comunidade local antes, durante e depois dos processos, inclusive na detecção dos problemas e na aprovação das modificações pretendidas. Embora as intervenções tenham ocorrido nas duas cidades, as consequências deram-se de maneira distinta em cada uma delas.
Medellín, Colômbia. Foto: David Peña
Em São Paulo, as áreas livres decorrentes da urbanização estão sendo ocupadas, o que gera disputa de grupos sociais que se apropriam desses lugares para fazer moradia. “Estamos vendo se repetir nessas áreas o que foi a origem das favelas, ou seja, a ocupação de lugares não destinados, inicialmente, à moradia. Isso ocorre pela falta de presença do Estado no período pós urbanização, uma vez que, depois dos assentamentos regularizados, não há controle urbano”, constata a pesquisadora. Pela supervalorização dos imóveis, ocorre a mobilidade (inclusive entre favelas). As pessoas continuam no mesmo território, mas ficam longe dos eixos valorizados.
A pesquisa concluiu que, no Brasil, os benefícios da urbanização são motivo de disputa – legais ou ilegais. Além disso, os componentes mais fortes do programa brasileiro são infraestrutura e moradia, à medida que para ser viável a transformação dos assentamentos é necessário deslocar pessoas, o que torna a remoção maior do que a provisão.
Por outro lado, na Colômbia, o processo é diferente. A questão da moradia não é tão objetiva, uma vez que o foco são os espaços públicos. O intuito do Estado ao promover iniciativas nos assentamentos periféricos é fazer-se presente ao trazer representações e estruturas de seu poderio, como centrais de emprego, bibliotecas, escolas. Por isso, os espaços são apropriados socialmente, além de constantemente mantidos e requalificados.
O grupo de pesquisa também realizou atividades locais com a população paulista e colombiana a fim de entender melhor a dinâmica dos assentamentos populares. As duas maiores oficinas foram “A Vida na Nova Jaguaré” e “Memoria en Santo Domingo Savio”, que consistiram em conversas e apresentação de material coletado aos locais para que pudessem complementar ao projeto e conhecessem melhor a realidade em que vivem.
Oficina com a comunidade da Vila Nova Jaguaré. Foto: NAPPLAC/USP
Também foi da preocupação dos pesquisadores tornar os resultados obtidos de conhecimento público para empoderamento da população e consulta de outros estudiosos interessados na área. Todo o material está disponível em http://www.favelasaopaulomedellin.fau.usp.br/.