As grandes redes de supermercados têm visto no Brasil uma grande oportunidade de crescimento. Com um mercado consumidor em ascensão, o país atraiu diversas franquias que haviam atingido o limite do lucro em países de alta renda. No entanto, a ascensão dos supermercados trouxe para o Brasil os problemas do primeiro mundo: o consumo de ultraprocessados e o consequente aumento da obesidade na população.
A pesquisa que deu origem a tese de mestrado Influência dos supermercados na disponibilidade e preço de alimentos ultraprocessados consumidos no Brasil analisou um aspecto diferente do consumo. “Tem estudos que estimaram a participação de ultraprocessados na dieta de brasileiros e agora estão expandindo para outros países. Mas a parte do comércio, de como se estrutura o varejo nesse sistema, é muito pouco discutida”, afirmou a autora da pesquisa Priscila Pereira.
Priscila analisou em quais locais de compra a aquisição dos ultraprocessados tinha mais peso. “[Ultraprocessados] são alimentos prontos para consumir, basicamente feitos de ingredientes industriais, com pouco ou nenhum alimento inteiro. Eles têm altos teores de açúcar, gordura, óleo e um monte de aditivos.” O resultado indicou que os supermercados têm grande participação no desenvolvimento desse hábito não saudável dos brasileiros: 60% de todos os ultraprocessados adquiridos vêm dos supermercados. Prejudiciais para a saúde, esses alimentos estão entre as principais causas da ascensão da obesidade.
Domínio da alimentação
O ambiente do mercado leva as pessoas a adquirirem mais alimentos ultraprocessados do que em outros locais de compra. Isso se dá por questões organizacionais, como os espaços de prateleira desses produtos, bem como a disposição do espaço físico da loja - “Os supermercados têm todo um ambiente para chamar as pessoas para comer ultraprocessados. As propagandas de carne e de frutas chamam as pessoas. Chegando lá elas são bombardeadas pra consumir alimentos ultraprocessados. Você entra no mercado e as frutas estão lá no fundo, então você é obrigado a passar nos corredores.”
Além disso, com a supressão do varejo tradicional pelas grandes redes, todas as etapas do sistema alimentar foram dominadas. A produção, o consumo, a distribuição dos produtos e, consequentemente, a nossa alimentação passa a ser controlada pelos supermercados. Esse ainda é um processo em desenvolvimento no país, como indica a pesquisadora: “No Brasil, ainda diferente de outros países, a gente tem uma diversidade de formatos no varejo. Isso até nos protege.” O mestrado, sem querer, conversa com outra dissertação chamada Biodiversidade e composição de alimentos: dados nutricionais de frutas nativas subutilizadas da flora brasileira de autoria de Ricardo Jorge Silva Mendes, que mostra como a questão da disponibilidade influencia a composição da mesa do brasileiro que, muitas vezes, deixa de consumir frutas nacionais com melhores valores nutricionais para adquirir frutas que, apesar de internacionais, ocupam o espaço do supermercado.
Priscila, ao saber dessa pesquisa, lembrou da falta de sazonalidade dos supermercados, uma vez que a disponibilidade de frutas ao longo do ano varia pouco. O mesmo não acontece nas feiras livres, que alinham a venda em relação à “época” de determinados alimentos.
Políticas públicas e alimentação
Constatado o peso que os supermercados têm na aquisição de ultraprocessados, a pesquisa procurou entender os motivos do consumo. Além da comodidade já mencionada, um outro fator determinante na hora da aquisição é o preço. “A gente testou o preço como mecanismo, porque ele é super determinante nas escolhas alimentares e temos observado uma redução do preço dos ultraprocessados ao longo dos anos, em relação aos alimentos saudáveis.”
A conclusão do estudo foi que o aumento de 1% no preço dos ultraprocessados levaria a diminuição da aquisição. Esse dado é importante para a elaboração de políticas públicas voltadas para uma melhor alimentação - “A gente tem que pensar em políticas fiscais para a taxação de alimentos ultraprocessados. As pessoas vão decidir, mas o ambiente condiciona totalmente o consumo.”