São Paulo (AUN - USP) - De acordo com dados divulgados pela Secretaria de Estado da Segurança Pública no primeiro trimestre de 2009, a taxa anual de homicídios na Grande São Paulo foi de 11 casos por 100 mil habitantes. Esse número é menos do que a metade da média nacional, de 24,5 homicídios por 100 mil habitantes/ano. Além disso, se comparado com dado da região em 1999, os atual índice de homicídios revela uma redução de cerca de 69,2%. O sociólogo e Coordenador Científico do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, Sérgio Adorno, em palestra no Instituto de Psicologia USP, comentou a redução.
Segundo ele, a queda no número de assassinatos na Grande São Paulo começou após o ano 2000. Em algumas regiões da cidade o declínio foi vertiginoso, com redução de mais de 50%. “É possível que haja queda, mas uma tão abrupta levanta suspeitas da veracidade do discurso oficial”. Adorno aponta alguns fatores que podem ter alterado as estatísticas sem que houvesse correspondência com a realidade. De acordo com ele, muitas vezes, os homicídios reportados na delegacia não são registrados no hospital, o que causa uma diferença nos dados produzidos pelas duas instituições. Além disso, no mesmo período da queda, houve um aumento no número de crimes classificados como agressões. A agressão é um tipo de crime que pode ou não resultar em morte, sem que seja classificada como homicídio. Outro item que pode ter comprometido o número é a existência de cemitérios clandestinos, ou seja, lugares em que vítimas de assassinato são enterradas sem passar pelos procedimentos oficiais. Adorno explica que o peso desse fator na queda do número de homicídios ainda é assunto a ser pesquisado.
Verificada a validade dos números que indicam queda, é preciso buscar prováveis explicações para a redução. Adorno aponta que nenhuma conclusão definitiva pode ser dada, mas que existe uma série de fatores que podem, isoladamente ou em conjunto, ter causado a diminuição dos casos de homicídio em SP. O primeiro deles é o forte investimento social em áreas problemáticas no final dos anos 90, começo de 2000. Ele cita o caso do Jardim Ângela, região com altas taxas de homicídio que teriam se reduzido graças à presença da polícia de bairro e a obras de melhoria de circulação. Ao mesmo tempo, o sociólogo aponta que em certas áreas da Zona Leste paulistana, em que nenhum investimento foi feito, também houve redução.
Outra provável causa é a proliferação de ONGs e de associações de defesa locais e ligadas a Igreja nas áreas com maior número de casos. Assim, fica criada uma espécie de “rede de proteção” em torno do cidadão, o que facilita sua busca por direitos. Um terceiro fator, comentado por Adorno, é o maior investimento por parte da polícia em patrulhas de bairro. “Apesar de grande parte da polícia não ter alterado seu comportamento, já que a tortura ainda é prática usual, esse tipo de patrulha faz com que a população tenha uma relação mais próxima com o policial, aumentando sua confiança nessa figura”. O crescimento da população carcerária, que no Brasil aumentou em 400%, também pode ajudar a explicar a queda de homicídios. Isso porque, de acordo com o sociólogo, o encarceramento tira de circulação matadores regulares.
Os criminosos também podem ter tido papel fundamental na redução do número de homicídios. “Nos últimos anos, temos presenciado mudanças na economia do crime e o enraizamento, na sociedade, das associações criminosas”, diz Adorno. O resultado disso é que, segundo o sociólogo, grupos como o PCC determinam uma política de “não-morte” nas comunidades por eles comandadas. Tal fenômeno, já observado nas FARC da Colômbia, evita confrontos com a polícia, que podem desestabilizar o controle do grupo. Outra medida tomada pelo crime organizado foi a criação de “tribunais cangurus”. Nessas cortes, o PCC arbitra conflitos que vão desde guerra entre vizinhanças à embates domésticos da população. Assim, inibe-se a resolução violenta desses impasses.
Sobre o que será feito para determinar as reais razões da queda de homicídios em São Paulo, Sérgio Adorno aponta duas medidas principais. Primeiro deverão ser feitos estudos longitudinais, ou seja, realizados num período determinado de tempo. Segundo, é preciso acumular histórias próprias de cada bairro para entender os fatores específicos da queda em cada região. “Existem vizinhanças, por exemplo, em que o conflito entre migrantes e residentes é característico. Nosso objetivo é estudar o impacto disso nas taxas de homicídio”, explica Adorno.