São Paulo (AUN - USP) - O incentivo governamental à pesquisa científica é garantido pelo artigo 218 da Constituição Federal, mas alguns cientistas do país encontram mais impedimentos que ajuda do Estado ao realizarem seus trabalhos. O professor e pesquisador do Museu de Zoologia da USP, Carlos Roberto Brandão, conta que no último Congresso Nacional de Zoologia foram apresentados mais de 2000 trabalhos, enquanto no ano anterior o Conselho Gestor do Patrimônio Genético (Cgen), órgão controlador da coleta de material da biodiversidade brasileira, concedeu apenas 57 licenças para pesquisa.
“Faço questão de trabalhar nos limites da lei”, diz Brandão, “mas a maior parte da comunidade científica é forçada a trabalhar na ilegalidade”. Ele explica: a dificuldade dos cientistas está em lidar com as restrições na manipulação de material da biodiversidade. O Cgen, desde a sua criação em 2001, proíbe a retirada de itens da natureza sem o pedido de autorização prévia. “Coletar material era uma atividade considerada legal e de uma hora para outra o governo muda a lei e passa a ser ilegal, de uma forma dramática”, lembra ele. Até 2001, a Lei da Fauna de 1967 permitia a atividade. O órgão também regulamenta a comercialização, envio para o exterior, transporte, acesso molecular e distribuição de benefícios dos itens da natureza brasileira.
Enquanto pesquisadores de campo e experimentadores, cientistas como Brandão enfrentam regras rígidas para terem suas pesquisas apoiadas. A burocracia e o tempo de espera para a liberação de projetos pelo Cgen, às vezes chega a ser maior que o da duração de um mestrado.
O maior problema, porém, ocorre quando cientistas sofrem constrangimentos e ameaças. “A chefe do Instituto de Ciências Biológicas da UnB (Universidade de Brasília) recebeu uma carta do Cgen dizendo que se algum aluno fosse pego coletando insetos ela seria presa”, conta o pesquisador. Ele mesmo já passou por situação semelhante, quando, ao acompanhar a pesquisa de dois americanos em Manaus, os estrangeiros foram presos e o material coletado incinerado. “Queríamos enviar, com autorização, as formigas para serem limpas nos Estados Unidos e embarcadas de volta para o Brasil, mas a Receita Federal julgou que estávamos fazendo algo ilegal.”
O controle do Cgen não é, porém, despropositado. É uma resposta a casos como o da multinacional Novartis, que explorou recursos brasileiros sem retornar ao país os benefícios comerciais dos resultados. De acordo com o estabelecido pela conferência mundial ECO 92, todo país tem direito sobre a jurisdição e propriedade dos itens da sua biodiversidade, assim como sobre parte dos benefícios advindos desses itens. Assim, o Cgen busca ter controle sobre a reversão de benefícios de pesquisas estrangeiras para o Brasil. Para pesquisadores brasileiros, a reversibilidade também vale, no caso de uso de conhecimentos de, por exemplo, indígenas para a produção de medicamentos.
Os cientistas sabem do fato, e não negam a necessidade da interferência do órgão. A reivindicação deles, exige Brandão, “é que o governo não controle as pesquisas em sua base, e sim posteriormente [caso o resultado assuma fins comerciais]”, para a reversão de benefícios. Segundo ele, o Cgen permite pesquisas com finalidade estritamente acadêmica, mas os pesquisadores não podem assinar contratos prévios garantindo que suas descobertas nunca serão comercializadas. Elas podem começar sem esse propósito e adquirir a dimensão mercantil depois. “As questões de interesse científico são tratadas como policiais no Brasil. Já se parte do princípio de que nós agiremos de má-fé”, diz.
Brandão conta ainda que a comunidade científica apresentou projetos de recomendações ao governo para melhorar a situação na Oitava Conferência das Partes da Convenção sobre Biológica em Curitiba, mas nenhuma foi implementada. Os Ministérios envolvidos – de Agricultura, Meio Ambiente e Cultura – não conseguiram chegar a um acordo sobre essa política, pois cada um tem interesses diferentes.
“Muitos países têm problemas com a política de biodiversidade. Mas no Brasil isso se torna ainda mais dramático, pelo tamanho da nossa biodiversidade inexplorada”, conclui. Carlos Roberto Brandão dirigiu o Museu de Zoologia de 2001 e 2005, a instituição com o maior acervo zoológico do país.