São Paulo (AUN - USP) - Diversos morcegos de pelúcia habitam o Laboratório de Leishmaniose do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). A brincadeira relaciona hábitos de dois parasitas: tanto os vampiros quanto os parasitas causadores da leishmaniose dependem de sangue. Por mais que os morcegos de pelúcia sejam fofinhos, os micro-morceguinhos estudados no laboratório não o são. Fatal e desfigurante, a leishmaniose vem se alastrando cada vez mais no interior de São Paulo. Lucile Floeter Winter, professora e pesquisadora do IB, estuda formas de combater a doença.
A doença, porém, ainda é pouco estudada. Foi descrita pela primeira vez por Evandro Chagas, nos anos 1930. A prevenção é apenas uma vacina para cães e uso de repelentes para afastar mosquitos, o tratamento é básico e independe da espécie de Leishmania. Poucos médicos conseguem fazer o diagnóstico com precisão. E é nesse aspecto que a pesquisa de Lucile Winter se desenvolve.
Sabendo a sequência gênica do Leishmania, Lucile pesquisa alvos para atacá-lo. Ela estuda a relação do parasita com o hospedeiro (como o camundongo, o animal mais fácil de ser usado em laboratórios). O parasita depende do sangue do hospedeiro e habita o interior de suas células de defesa, os macrófagos. Ele se protege duplamente: tem tudo o que precisa para se proliferar dentro dos macrófagos, além de impedir que o organismo infectado o ataque. É como se o ladrão se escondesse dentro da copa de uma delegacia.
Lucile pesquisa essa relação, que ocorre através de certas enzimas presentes no parasita. As principais enzimas candidatas são a Arginase e a Fosfatidil serina sintase. Conhecendo a fundo esta relação, é mais fácil atacar diretamente os alvos: inibir essas substâncias, enfraquecer a relação com o hospedeiro e, assim, matar o parasita.
A pesquisa ainda está em fase inicial e não há resultados conclusivos, mas é pioneira na área.
Diagnósticos:
Há 23 espécies de protozoários do gênero Leishmania que afetam o ser humano. Porém o diagnóstico usado atualmente não as distingue e o método de tratamento é o mesmo para todas as espécies. O grupo de Winter detecta a espécie pela análise de DNA.
Já se sabe que as diferentes espécies têm sequências de bases nitrogenadas ligeiramente distintas. O grupo, então, colhe um pedaço de DNA do parasita e o copia milhões de vezes. Esse método é conhecido como Reação em Cadeia pela Polimerase, descoberta em 1993, por Kary Mullis, um geneticista, que ganhou o Nobel por isso. Em pouco tempo, dispõe-se de uma enorme quantidade de material genético idêntico, mais fácil de ser enxergado. Assim, o grupo lê a sequência de bases nitrogenadas e detecta a espécie causadora das chagas naquele caso. Essa identificação pode, no futuro, segmentar o tratamento: cada espécie pode ser atacada do modo mais eficiente.
Esse diagnóstico já caminha há 10 anos. O laboratório de Lucile Winter é um dos poucos no Brasil que realiza essa tarefa e oferece diagnósticos para o Hospital das Clínicas: uma amostra de sangue de pacientes com suspeita de leishmaniose é encaminhada ao laboratório. O grupo também realiza trabalhos ocasionais em conjunto com a Sucem, a Superintendência de Controle de Endemias.