ISSN 2359-5191

06/12/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 114 - Sociedade - Cinusp Paulo Emílio
Pesquisadores criticam apologia à violência no filme Tropa de Elite

São Paulo (AUN - USP) - “Esse filme faz uma apologia tremenda a violência!”: essa foi a reação de um espectador após o término de Tropa de Elite, parte da Mostra Cinema e Psicanálise, que acontece de 28 de novembro a 2 de dezembro no Cinusp Paulo Emílio, na USP.

A mostra pretende abordar aspectos da psicologia em filmes nacionais, com debatedores das áreas da psicologia e do cinema. No dia 30 de dezembro, o debate foi crítico, a respeito da violência e das estruturas de poder retratadas no premiado filme dirigido por José Padilha, com dois professores do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo: Roberto Propheta e Paulo Endo.

Diferentemente dos festivais internacionais – Tropa de Elite foi vencedor, por exemplo, do Urso de Prata no Festival de Berlim –, a reação crítica ao filme pelos intelectuais na mostra não é das mais positivas: Roberto afirma que há uma estratégia formal e discursiva descaradamente utilizada para justificar o uso da violência. Para ele, a linguagem do filme pressupõe que “todos aqueles que não se adequam às normas devem ser eliminados violentamente”, e “a narrativa em primeira pessoa convoca o espectador a se identificar. Somos capazes de entender seu conflito e, portanto, perdoá-lo. Já os moradores da favela são os bandidos”.

Relacionando o filme com a polêmica da Polícia Militar na Cidade Universitária, o professor afirma que Tropa de Elite se utiliza da mesma linguagem para definir os moradores da favela que tem sido usada por “alguns” como referência aos estudantes, e assim fazer apologia à violência: “vagabundos e maconheiros. São exatamente os mesmos termos”, afirma, porém com auxílio de “uma estratégia hollywoodiana”, os violentos são mostrados num contexto familiar, enquanto as vítimas estão em posição desumanizada.

Ainda sobre a linguagem, ele chama a atenção para a técnica de trazer fragmentos sonoros ao primeiro plano, usando como exemplo as batidas do coração da criança que está por nascer no filme. Segundo ele, “qualquer reflexão a respeito da violência urbana fica relegada ao segundo plano”. Até mesmo o título do segundo filme da série ”O inimigo agora é outro”, em referência a policiais desonestos, deixa a impressão de que a violência teria funcionado contra o tráfico se não fosse a corrupção.

Paulo Endo tem posição ainda mais radical: “o filme é totalmente mal-intencionado. É uma tentativa de pseudo-crítica intelectualizada, utilizando a retórica do politicamente correto”, e sofre do mal do cinismo, presente em grande parte das produções do cinema brasileiro. Para ele, a discussão do torturador como ser humano em uma posição difícil “já deveria estar superada há muito tempo. Ninguém espera encontrar em assassinos duas presas, eles são seres humanos.”, apesar disso, “a violência é o artigo mais vendável do mundo, por ser uma linguagem universal”.

Sua crítica foi além do filme, para as estruturas de poder no Brasil. O país, segundo ele, tem um caráter de exceção no contexto global: “Na América Latina, somos os únicos que anistiaram torturadores”, apesar de a corte interamericana não permitir anistia a crimes comuns (nos quais se incluem assassinato e tortura). A própria polícia não se endereça a preservar a vida, mas a produzir a morte. Na sua visão, mesmo as estruturas de bases comunitárias aplicadas no país servem justamente para que a violência possa ser melhor aproveitada: os policiais realizam rodízios das bases, permanecendo por aproximadamente uma semana. “Se um policial acompanhasse o contexto da vida de um criminoso mirim, como a mãe indo à feira, não seria capaz de matar um adolescente na primeira abordagem”.

O professor acredita ainda que os testes para melhorar essas estruturas devem ser feitos dentro da universidade, com o treinamento de uma polícia mais humanizada. “Se a USP, com seus pesquisadores de violência urbana, não for capaz de ter uma polícia decente, quem será?” “esses instrumentos devem ser ativados, mesmo que como laboratório de uma polícia exemplar”. O grande problema é que se a polícia não age de acordo com os direitos humanos, o cidadão não tem instrumentos para obrigá-la.

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