São Paulo (AUN - USP) - Em geral, a historiografia nega que o governo brasileiro do século XIX era representativo, no entanto, Miriam Dolhnikoff, professora do Instituto de Relações Internacionais da USP ressalta: “Minha pesquisa procura demonstrar que o governo brasileiro do século XIX era de fato representativo.” Esse é o foco de O império negociado: representação política e institucionalização dos poderes no Estado brasileiro do século XIX.
É preciso considerar que os governos representativos do século XIX tinham características distintas das democracias modernas. A professora ressalta queoutra questão importante é repensar o problema da manipulação dos resultados eleitorais. Para ela, em primeiro lugar, é preciso separar fraude de clientelismo. O clientelismo era um elemento da realidade do século XIX. “O direito de voto conferia aos trabalhadores livres pobres um poder de barganha dentro desta relação e, ao mesmo tempo, o fato de participarem do processo eleitoral, mesmo que como clientes de um fazendeiro, significou ao longo do tempo um aprendizado político importante”, explica Miriam.
A professora afirma ainda que não se podiaesperar um eleitor consciente, que avaliasseo programa do candidato, porque os candidatos não costumavam ter programas, nem os partidos tinham as características e o perfil que viriam a ter no século XX. Quanto à fraude, ela era comum em todos os governos representativos do século XIX e é difícil dimensionar sua extensão. “O que minha pesquisa tem demonstrado é que havia um real esforço da elite política em coibir a prática de fraudes eleitorais”, explica Miriam. “Para esta elite interessava que as eleições fossem vistas como legítimas, uma vez que o governo representativo tinha por objetivo institucionalizar os conflitos e legitimar o Estado diante dos vários setores sociais”, completa a professora.
Miriam acredita que não cabe falar em lições para a situação atual, mas é possível compreender melhor o Estado brasileiro tendo em vista sua história. Analisar o papel fundamental do parlamento no século XIX, quando o Estado foi construído, como espaço de negociação dos interesses dos diversos setores das elites nacionais, ajuda a compreender melhor a dinâmica que este parlamento teve no correr da nossa história. Ela conclui: “Aceitar que, de fato, se tratava de um governo representativo torna importante realizar pesquisas sobre o processo eleitoral, as relações entre os poderes, a Câmara dos Deputados, quem eram os representantes e quais grupos conseguiam se fazer representar.”