ISSN 2359-5191

08/11/2012 - Ano: 45 - Edição Nº: 106 - Sociedade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Flexibilidade em complexos multifamiliares pode ser arquitetura do futuro

São Paulo (AUN - USP) -Entre os fenômenos mais marcantes da arquitetura no século 20 e 21, está a rápida expansão dos conjuntos residenciais multifamiliares. Em tese de doutorado defendida pela arquiteta Liziane de Oliveira Jorge, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU), foram investigadas não só as raízes socioeconômicas deste modelo habitacional, mas também suas implicações práticas e métodos de flexibilidade domiciliar.

Liziane explica que as explosões demográficas e as ondas migratórias para os centros industriais no século passado, aliados ao legado catastrófico das duas Grandes Guerras, demandaram um modelo arquitetônico de alta funcionalidade e produção em tempo recorde. “Neste contexto, o oportuno conceito de habitação mínima foi sancionado através de leis e normas que determinam o mercado da habitação até os dias de hoje”, afirma.

No século 21, em processo semelhante, destaca-se a verticalização (construção de prédios) das áreas centrais, onde a elevada densidade demográfica sugere espaços mais compactos e valorizados. Emerge também, nestas regiões nobres, uma tendência segregacionista. “Este fator manifesta-se através da construção de condomínios fechados, repletos de serviços e equipamentos, uma negação da cidade e do espaço público”, destaca Liziane.

A tipologia predial é, segundo a arquiteta, uma realidade inevitável e necessária, pois minimiza o consumo indiscriminado do território urbano e aproxima o usuário de serviços, postos de saúde, cultura, educação e lazer. O que ocorre, em sentido inverso, é um processo de padronização próximo ao taylorismo. “Os edifícios multifamiliares multiplicam andares idênticos, com poucas oportunidades de diferenciação”, afirma. E questiona: “O mercado deveria ter o compromisso social de oferecer a diferentes agrupamentos familiares alternativas que superem a prescrição de comportamentos e o estereótipo da alta compartimentação de cômodos minúsculos.”

A crítica de Liziane fundamenta-se na recente manifestação – ou aceitação – de novas formações familiares na sociedade, como casais sem filhos, casais homossexuais, famílias unitárias (pessoas sós, solteiras, divorciadas, viúvas e idosos), pais solteiros e famílias nucleares tradicionais. “São novos estilos que, somados aos avanços tecnológicos, culturais e científicos, alteram completamente o comportamento no espaço doméstico.”

A solução está, para a arquiteta, na flexibilização dos domicílios, isto é, moradias que se adaptem a seus usuários e não usuários que precisem adaptar-se a elas. “A adaptabilidade pode ser potencializada pelo emprego de dispositivos divisórios ativos e vedações leves, por exemplo. A habitação deve promover a identidade pessoal, a particularização, absorver o estilo de vida do morador, a imprevisibilidade e a utilização desprogramada do espaço doméstico”, afirma. “Em suma, a implementação da flexibilidade arquitetônica em edificações multifamiliares deve ser refletida por categorias distintas.”

Segundo Liziane, os grandes empreendimentos investem ainda em estratégias de vendas relacionadas ao lifestyle e ao status, à segurança, às vantagens locacionais e a outros fatores que acabam por ofuscar as deficiências práticas dos imóveis. Em certa medida, no entanto, o mercado começa a responder à demanda da sociedade por ambientes mais genéricos e adaptáveis, que são o futuro de uma sociedade cada dia mais plural. “Estamos vivendo um momento de superação do objeto arquitetônico cartesiano, inalterável, pois a velocidade das mudanças exige uma revisão conceitual profunda do edifício”, afirma a arquiteta. “Entretanto, para que uma arquitetura flexível e inovadora seja difundida, é preciso contar com a iniciativa das empresas construtoras, que naturalmente evitam o risco das incertezas e os custos iniciais de tais inovações, que elevariam o preço diante da competitividade.”

Arquitetura em série
Questionada sobre eventuais impactos artísticos à arquitetura trazidos pela produção da tipologia multifamiliar em série, a arquiteta Liziane de Oliveira Jorge é categórica. “Sejamos honestos. No exercício da profissão, a arquitetura-arte sempre foi a arquitetura de exceção, representada pelos edifícios políticos-administrativos, religiosos e culturais.” Segundo ela, as próprias residências comuns pecam pela previsibilidade e pelo empobrecimento da imagem das cidades.

Os edifícios multifamiliares, em sentido inverso, poderiam contribuir para uma arquitetura mais diversificada e inovadora. “É preciso evitar a repetição inumerável dos mesmos modelos de edifícios. Acredito absolutamente que, quando a produção em série explorar melhor as possibilidades da indústria, será possível desenvolver uma arquitetura fascinante.”

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