Dando continuidade à campanha iniciada com o Ato pela Humanização do Cárcere, o Centro Acadêmico XI de Agosto promoveu, juntamente com o IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) uma mesa de debates acerca da privatização prisional. O evento, ocorrido em meados de março, se realizou na Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito e foi o primeiro do Ciclo de Mesas de Estudos e Debates sobre o Cárcere, organizado em conjunto pelos alunos e pela instituição.
Participaram da mesa Augusto Eduardo de Souza Rossini, doutor em Direito Penal e promotor de Justiça, Rodolfo de Almeida Valente, advogado membro da Pastoral Carcerária, e Rodrigo Bittencourt, diretor do XI de Agosto. A professora da Faculdade e presidente do IBCCrim, Mariângela Gama de Magalhães Gomes, que faria a sessão de abertura, não pôde estar presente.
A discussão se iniciou com um vídeo de apresentação da Rede 2 de Outubro, entidade da qual Valente faz parte, criada em 2011 por um conjunto de movimentos e organizações da sociedade civil, visando principalmente a pressão pela responsabilização do Estado e de seus agentes no massacre do Carandiru, que completou 20 anos no dia 2 de outubro de 2012. Outro objetivo, de acordo com o blog da organização, é o “aprofundamento do debate sobre segurança pública e cidadania”.
Baseando-se no argumento de que, por serem uma função do Estado, as prisões não poderiam ser privatizadas sem incorrer em inconstitucionalidade, Valente deixou claro que sua posição é contrária ao que chamou de “privataria carcerária”. Para ele, o Brasil tem um histórico de insucessos nessa área, tendo citado como exemplos presídios do Paraná e do Amazonas, mantidos em parceria entre o Estado e a iniciativa privada. A Pastoral Carcerária encontrou no presídio de Manaus problemas parecidos com os do cárcere tradicional, tais como a superlotação e a prática de revistas vexatórias. No Paraná, entretanto, as experiências relatadas são boas e favoráveis à cogestão entre Estado e empresa. Lá, atualmente, cada preso custa ao governo R$ 1,8 mil mensais, enquanto nos outros estados a média é de R$ 1,2 mil. Um preso no sistema federal custa em torno de R$ 4,8 mil por mês.
Quando falou, Rossini lembrou que quase metade da população encarcerada ainda não foi condenada e, portanto, deveria estar aguardando julgamento em liberdade. O promotor defendeu a ideia de que a solução não é condenar mas, sim, tentar evitar o crime e destacou o plano do governo paulista, iniciado em 2011, de investir R$ 1,1 bilhão na criação de vagas em presídios, o que aliviaria um pouco o esgotamento do sistema prisional. Valente rebateu citando a Lei de Execução Penal de 1984, a qual atesta que a prisão é “intrinsecamente danosa”, sendo diminuir seus danos a única medida a ser tomada. O investimento do governo seria, então, um alimento para uma situação prejudicial em sua origem, além de um incentivo ao encarceramento em massa, e não uma tentativa de promover melhorias.
Com o debate inflamado, Rossini perguntou a Valente e à plateia, ironicamente, se a solução seria soltar todos os presos do país, logo antes de afirmar que não há, no âmbito político nacional, pessoa com força suficiente para isso, uma vez que o desejo da sociedade não é humanizar o cárcere. O problema, de acordo com ele, não pode ser resolvido com uma mudança de lei, mas apenas com uma transformação na cultura.
Quando perguntados sobre alternativas ao cárcere, ambos os participantes da mesa se mostraram céticos, cada um por suas razões. O promotor apontou que só quem cumpre penas alternativas são pessoas de classes sociais elevadas, justamente as menos atingidas pelos inconvenientes das prisões, ao passo que o advogado da Pastoral Carcerária considera que elas não existam num sistema capitalista. “Não é possível humanizar o cárcere, assim como não é possível humanizar a pobreza”, declarou ele. O máximo (e ao mesmo tempo o mínimo) que se pode fazer é tornar os presídios minimamente dignos para as pessoas que vivem dentro deles.