A mobilidade cultural das regiões periféricas dentro das grandes metrópoles foi tema da palestra "A Cidade, As Periferias e o Direito de Circular", na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU), em agosto. Ministrado pela professora de Planejamento Urbano da Universidade da California, Berkeley (EUA), Teresa Caldeira, o evento apresentou os últimos resultados dos estudos da professora sobre reconfigurações espaciais e segregação.
Caldeira explicitou as mudanças na imagem da periferia, em relação às cidades, durante os anos. No início das ocupações periféricas, ocorridas nos anos 70, a dinâmica social começou a ficar mais complexa, já que os primeiros habitantes dessas áreas eram pessoas vindas de diferentes locais para trabalhar nas imponentes obras dos centros. Esse imaginário de que as periferias eram ocupadas por trabalhadores se manteve durante a época. A professora também reforçou que, uma vez construindo suas moradias na periferia, os habitantes tornaram-se politizados, contestando suas condições e clamando uma reforma urbana. O resultado foram os movimentos sociais que ocorreram durante os anos 70. "Os movimentos sociais forçaram os governos a investir nas periferias", disse Caldeira.
Porém, durante os anos 90, o lado social deu espaço ao advento aos movimentos culturais. O crescimento do rap, hip hop e arte urbana criou uma imagem diferente daquela dos anos 70. A professora comentou que, em suas pesquisas, os moradores das periferias não se veem como trabalhadores, no sentido que os mesmos possuíam há 40 anos. Essa é a época em que as comunidades assumem uma cultura própria e a expressa através da arte. Porém, isso provocou uma espécie de barreira de locomoção da periferia nas cidades. Adotou-se uma ideia de que a cultura da periferia torna-a um mundo a parte, não integrado à cidade. Esse mundo onde "malandragem de verdade é viver" (trecho da música "Fórmula Mágica da Paz", dos Racionais MC's, citado pela professora) não é aceito pelos centros. Os habitantes das periferias devem forçar sua entrada nas metrópoles. Um exemplo é através da pichação: "A única maneira de entrar na cidade é escrevendo o seu nome nela", comentou.
Atualmente, nos anos 2000, a mobilidade periférica está bem maior. Com a diminuição da violência, "é capaz de você não ter de andar junto à morte", contou Caldeira. As comunidades que possuem mais ativismo viram seus índices de criminalidade baixar. Com essa queda, a produção cultural começou a circular mais pela cidade, através da literatura, música e atividades como o parkour (atividade em que pessoas percorrem regiões urbanas, desviando de obstáculos somente com as habilidades corpóreas).
Para a professora, o momento atual pede que haja uma negociação entre cidade e periferia para que essa mobilidade cultural entre os espaços possa ocorrer sem conflitos. Segundo ela, esse espaço é justamente a universidade.
A palestra "A Cidade, As Periferias e o Direito de Circular" fez parte da série de eventos "AUH Encontros", promovido pelo Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto, da FAU.