Quando vamos a um museu de artes, normalmente mantemos nosso foco na apreciação ou análise dos quadros lá expostos. O pesquisador do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP) Pedro Nery foi além: decidiu investigar o porquê das obras terem sido adquiridas. Por meio do estudo de um processo histórico, Nery buscou entender a formação da coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
A Pinacoteca foi fundada em 1905 e atualmente possui um acervo com cerca de 11 mil obras, que abrangem majoritariamente a história da pintura brasileira dos séculos 19 e 20. Segundo Pedro Nery, o museu “foi formado por uma coleção pré-existente”: Os quadros foram adquiridos para uma coleção do Estado e inicialmente se concentraram no Museu Paulista.
“É interessante entender que o Museu Paulista era um museu de ciências naturais”, comenta Nery. Em sua pesquisa, o estudioso percebeu que dez anos antes da criação da Pinacoteca já se havia um entendimento de que um salão de belas artes seria fundado. “Em 1895, já se tinha ideia de que seria formada uma galeria artística, e eram adquiridos quadros para ela”. Dos quadros obtidos pelo Museu Paulista, vinte foram selecionados para participar da fundação da Pinacoteca.
A coleção inicial da Pinacoteca era heterogênea, sendo composta por quadros de paisagens, naturezas mortas e pinturas históricas. “Ela abrangia uma gama de gêneros que talvez fosse mais importante para uma coleção didática, que servisse para estudantes de pintura terem conhecimento de todas as etapas”, conta Nery, se referindo ao Liceu de Artes e Ofícios, que se localizava no mesmo edifício.
“Mas não devemos ser ingênuos em acreditar que não houve outras intenções além da formação de uma galeria didática. A Pinacoteca sempre serviu como educação, mas também serviu como educação geral, cívica e moralista”. O pesquisador dá o exemplo de dois quadros presentes no acervo inicial do museu: Amolação interrompida e Caipira picando fumo, ambos de Almeida Júnior. As duas pinturas representam caipiras de São Paulo. “A intenção de uma parte dos republicanos paulistas era monumentalizar o sujeito do campo que, apesar de ser pobre, possuía algumas qualidades, como ser autônomo, ocupar o interior do território e ser mestiço, sendo essa considerada a mistura correta – a do branco com índio. Ele seria o verdadeiro americano”.
Com o início da república e ascensão de São Paulo, acreditava-se que os modos de vida do camponês paulista iriam desaparecer. “Aquilo servia também como documentação. Era um quadro de uma figura contemporânea, mas que já versaria sobre o passado, pois o progresso que eles construíam faria com que ela desaparecesse”, explica Nery.
O estudioso admite a complexidade de se estudar a historicidade do patrimônio e das aquisições: “Cada obra que era adquirida é uma carga de informações diferentes que pode alterar as compras anteriores. É difícil de entender os critérios”. E revela a possibilidade de aplicar isso na prática de museus: “É possível repensar exposições, trocar quadros, fazer notas explicativas. Precisamos fazer com que a pesquisa acadêmica reflita aqui”.