ISSN 2359-5191

20/09/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 111 - Meio Ambiente - Instituto de Eletrotécnica e Energia
Professores da USP afirmam que crise de abastecimento ainda vigora
Estudo aponta a falta de transparência como principal agravante da crise hídrica
Crise ainda vigora. Fonte: Reprodução

Em março desse ano, o governo do estado anunciou o término oficial da crise hídrica enfrentada por São Paulo há vários meses. Mesmo com a significativa elevação no volume dos reservatórios do Cantareira e do Alto Tietê, muitos paulistanos, no entanto, continuam a sofrer diariamente com a limitação no uso de recursos hídricos. Segundo professores da USP, a crise de abastecimento ainda vigora, sendo necessário um longo percurso para que essa alcance um possível fim. No estudo “Transparência na Gestão dos Recursos Hídricos: acompanhando o indicador Intrag (Índice de Transparência no Manejo de Água) no contexto brasileiro”, professores destacam como a centralização administrativa do recurso aliada a uma baixa transparência nas políticas públicas ligadas à água contribuem para a manutenção de cenários caóticos, como os observados em 2015.

Pesquisas realizadas pelo Grupo de Estudos e Acompanhamento em Governança Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) revelaram que a má gestão da água tem afetado significativamente a vida de diversos brasileiros não se restringindo apenas ao estado mais populoso da nação. De acordo com a professora Ana Paula Fracalanza, docente do IEE e da (EACH) Escola de Artes Ciências e Humanidades, ambos da USP, os atuais desequilíbrios na administração dos recursos hídricos se relacionam a baixa transparência na disponibilização de informações sobre a água. No estudo realizado pelo grupo em 2013, verificou-se que o índice de transparência na divulgação de dados oscilava entre 2 e 65, em uma escala de 0 a 100. “Os estados com maior índice de transparência foram Minas Gerais e São Paulo, enquanto os mais baixos índices foram obtidos no Amazonas, Piauí e Amapá”, conforme aponta a pesquisa.

No entanto, a professora destaca que a transparência apresentada por São Paulo ainda é baixa (58%) quando comparada a de outros países. A ausência de uma divulgação de dados em páginas governamentais, ou de instituições relacionadas à administração da água no Brasil contribui para uma diminuição de ações sociais em relação às medidas adotadas para a gestão do recurso.

Em 2015, o estudo foi repetido e diversos estados como São Paulo mantiveram o mesmo índice de transparência apresentado. A centralização administrativa do recurso é apontada pela pesquisadora como um dos responsáveis por esse resultado, uma vez que não permite uma gestão participativa e transparente, em que a sociedade possa monitorar o uso desse bem comum.
 

           INFOGRÁFICO TRANSPARÊNCIA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS (2013-2015)- FONTE: ARTICLE 19


A avaliação da transparência foi realizada segundo o modelo proposto pelo indicador espanhol Intrag, adotando seis elementos para observação. Esses consistem em: "Informações sobre o sistema", "Relações com o público e as partes interessadas", "Transparência nos processos de planejamento", "Transparência na gestão dos recursos e usos da água", "Transparência Econômico Financeira" e "Transparência em contratos e licitações".  Em metade desses quesitos houve decréscimo no nível de transparência de um estudo para outro. "Dos 26 Estados e Distrito Federal estudados, 16 apresentaram decréscimo nos valores Intrag, enquanto 9 apresentaram acréscimo nos níveis de transparência e 2 permaneceram iguais", aponta a pesquisa.

Trata-se de um cenário que evidencia uma fragilidade no sistema de gestão dos recursos hídricos, à medida que reflete uma reduzida adequação dos estados aos padrões necessários para a divulgação de informações à sociedade. Segundo a professora, "há uma falta de cultura participativa e de fiscalização", uma vez que a ausência de canais de interlocução entre o governo e a população alimenta uma injusta distribuição desse recurso.


Água: um bem público privatizado

De acordo com o Artigo 1º inciso (I) da Política Nacional dos Recursos Hídricos, “a água é um bem de domínio público”. Porém, conforme aponta a professora Ana Paula, quando essa é vendida, o recurso passa a ser privado. No atual cenário, se vive uma injustiça ambiental relacionada à água, em que há uma seleção daqueles que podem utilizar esse bem, de acordo com o quanto o cidadão está disposto a pagar para acessá-lo.

Em casos de crise, como a de São Paulo, essa seleção se reflete em uma distribuição injusta do recurso, em que contratos com indústrias, por parte das instituições que administram esse bem, são priorizados em detrimento do abastecimento popular. Segundo dados divulgados pela Agência Nacional da Água (ANA), a região metropolitana do estado consome mais água do que produz. Números revelam que o consumo para o abastecimento público nessa região é da ordem de 68,2 m3/s (ou seja, mais do que uma piscina olímpica por minuto) sendo que, historicamente, quase metade dessa demanda provém das águas do sistema Cantareira. A prioridade dada para os contratos firmados com as indústrias, segundo a professora, fere a lei, à medida que o uso do recurso deveria ter como fim maior “o abastecimento da população e a dessedentação [retirada da sede] dos animais”.

Apesar das dificuldades, a professora ainda é otimista e diz que há chances de uma futura gestão participativa em relação à água. “Instituições como a Agência Nacional da Água, que têm uma função reguladora, ainda apresentam um papel central, podendo conseguir recuperar, futuramente, um quadro mais institucional e regulatório, para que a gestão desse recurso funcione”. 

 

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