A obesidade é um desafio crescente à saúde da população mundial e, desde o início da atual década, provoca mais mortes do que a própria fome. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 39% dos adultos no mundo apresentam sobrepeso enquanto outros 13% sofrem com a obesidade e suas complicações decorrentes, como diabetes tipo II, doenças cardiovasculares, apneia e até câncer. Sabe-se, atualmente, que a obesidade está associada a um processo inflamatório do nosso organismo, que libera uma série de moléculas que aumentam nossa resistência à insulina e que, consequentemente, favorecem o ganho de peso. Entretanto, muita pesquisa ainda precisa ser feita, visto que os conhecimentos dessa área ainda são muito recentes. Com o intuito de aprofundar essa questão, a pesquisadora Angela Castoldi, do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB), investigou os aspectos moleculares que influenciam a obesidade através de sua tese de doutorado: MyD88: um modulador do perfil inflamatório e metabólico na obesidade experimental.
Ao partir do pressuposto de que a obesidade é um processo inflamatório, o grupo de pesquisa decidiu analisar o papel desempenhado pela MyD88 – molécula responsável por desencadear uma resposta para situações de inflamação que está presente na maioria de nossas células – no desenvolvimento da obesidade em camundongos experimentais. A primeira hipótese do laboratório era a seguinte: se MyD88 fosse depletado do organismo, não haveria inflamação e, como consequência, os camundongos não engordariam. No entanto, os experimentos indicaram justamente o contrário: o roedor que teve MyD88 completamente removido do organismo, através da anulação do gene responsável por sua síntese, “engordou muito mais, ficou resistente à insulina, intolerante à glicose e desenvolveu diabetes tipo II. Só que sem desenvolver a inflamação clássica observada no tecido adiposo durante a obesidade”, explica Angela. Remover MyD88 apenas do tecido adiposo não protegeu os animais contra o ganho de peso, mas também não exacerbou a obesidade como havia sido observado anteriormente nos camundongos que tiveram MyD88 depletado do corpo inteiro
O passo seguinte consistiu em analisar os efeitos da remoção de MyD88 apenas dos macrófagos pró-inflamatórios, as células do sistema imune que estavam em maior concentração no tecido adiposo. O resultado desse experimento foi positivo: o camundongo foi protegido contra o ganho de peso e desenvolvimento de diabetes. Mas por que, então, o camundongo engordou ainda mais quando teve MyD88 removido do corpo inteiro? A resposta encontrada pelo grupo de pesquisa foi que a ausência de MyD88 provocava uma superexpressão de Dectina-1, um receptor conhecido por ativar resposta imune contra fungos, mas que é extremamente importante para a diferenciação de macrófagos pró-inflamatórios. A análise subsequente do tecido adiposo de humanos confirmou que indivíduos obesos apresentavam altos índices de Dectina-1 em comparação com indivíduos magros.
Por fim, o laboratório tratou os camundongos obesos e ausentes de MyD88 com laminarina, uma substância proveniente de algas marinhas capaz de inibir os efeitos de Dectina-1 nos macrófagos dos roedores. O resultado foi novamente positivo: o tratamento foi capaz de reverter a inflamação e a resistência à insulina dos camundongos, que voltaram ao peso normal em cinco semanas.
Por ser uma das pioneiras na área, a pesquisa ainda é básica e, até o momento, busca apenas compreender os mecanismos que envolvem a obesidade. Aplicar os conhecimentos adquiridos em humanos obesos ainda é um sonho um tanto quanto distante de se concretizar. O principal desafio de um futuro medicamento contra a obesidade seria encontrar uma maneira de inibir MyD88 sem comprometer nosso sistema imune, uma vez que, na ausência dessa molécula, nosso organismo não seria capaz de reagir a infecções.