Em tese de doutorado no Instituto de Medicina Tropical da USP, a pesquisadora Juliana Vieira Bianchi apresentou um novo método e uma nova plataforma para genotipar doadores de sangue da Fundação Pró-Sangue, com a ideia de criar um grande banco sanguíneo para suprir a demanda desses pacientes. Um sistema que pretende ser uma opção excelente ao serviço público de saúde.
Iniciado em 2011, o estudo focou em pacientes com problemas crônicos, como anemia falciforme, leucemia e talassemia, e buscou encontrar uma maneira eficaz de proporcionar a esses pacientes um aporte sanguíneo para abastecer suas necessidades diárias. A ideia, assim, era criar um banco de sangue de doadores já conhecidos e analisados, que fosse o mais plural possível, e conseguisse contornar todas as resistências que os pacientes possam apresentar. Como explica Juliana: “Existem mais de 300 antígenos e mais de 36 sistemas de grupos sanguíneos, então existem muitos [tipos sanguíneos] que podem apresentar incompatibilidade na transfusão. A gente perdia, mais ou menos, uma semana para arranjar um doador compatível com determinado paciente, e nesse período, ele pode muitas vezes não resistir." Contudo, esse acervo sanguíneo só seria possível, se houvesse uma análise de tipos sanguíneos em larga escala. E era essa a principal barreira da pesquisa.
Apesar de já existirem algumas plataformas de genotipagem disponíveis no mercado, todas são de empresas privadas e apresentam um custo muito alto, chegando a cobrar US$100,00 por pessoa testada, impossibilitando sua implantação no serviço público de saúde. Portanto, se adequando a essa realidade, a pesquisadora e sua equipe criaram uma plataforma própria para a genotipagem, a OpenArray, capaz de testar um número expressivo de doadores, com um custo bem menor do que o das plataformas particulares.
O estudo tinha interesse em encontrar doadores raros, não apenas no que diz respeito ao sistema ABO, mas principalmente à ausência de determinados antígenos que são extremamente comuns na população brasileira e que impossibilitam a transfusão. Assim, foram testados, junto a um estudo integrado, 400 doadores, sendo que a equipe de Juliana testou 60 antígenos diferentes: 12 para antígenos plaquetários e 48 para antígenos eritrocitários. Ou seja, para cada doador, foram feitos 60 testes sorológicos, um número bastante grande e que seria impossível de ser alcançado pelo mesmo preço se feito por outra técnica.
Sala de doação da Fundação Pró-Sangue. Foto: Guilherme Derrico
Portanto, a partir dessas 400 amostras testadas, para esses 60 antígenos, chegou-se a 11.699 resultados, o que corresponde à 23.398 alelos, ou seja, segmentos homólogos de DNA. Para validar o resultado obtido pelo OpenArray, Juliana selecionou 242 desses resultados e testou esses números numa plataforma já utilizada no mercado, a BloodShip. Ela concluiu que a plataforma criada por sua equipe tinha eficiência de 99,98% (de 23.398 alelos, 6 apresentavam erros). A plataforma OpenArray, então, possui altíssima taxa de eficácia e, se ainda não pode ser utilizada exclusivamente como uma técnica de genotipagem, até ser aperfeiçoada ao 100%, ela já pode ser implantada no serviço público como uma plataforma de triagem, pois consegue selecionar doadores raros, sendo necessário apenas conferir essa pequena margem de erros. Juliana lembra que esse método de triagem tem sido utilizado no serviço de saúde, no diagnóstico de portadores do vírus HIV, por exemplo.
Diante do sucesso da técnica testada, a equipe de pesquisadores fez um requerimento de verba ao PPSUS (Programa de Pesquisa para o SUS), uma parceria entre o CNPq e a Fapesp, e o programa forneceu a ela cerca de R$ 300 mil, o que possibilitou a compra de um kit para fazer cinco mil amostras de doadores, o qual foi testado em 2015, apenas pela metodologia testada por Juliana Vieira e sua equipe. A plataforma OpenArray se mostra uma alternativa economicamente possível ao serviço de saúde pública e pretende se consolidar em um cenário que ainda carece de estrutura e aparelhagem capazes de suprir a demanda da população