Viver
numa grande cidade é desconfiar constantemente. Seja
em casa, por causa dos altos índices de violência
que nos obrigam a trancar as portas, seja na concorrência
profissional, por medo de um colega de trabalho nos passar
a perna na disputa por uma vaga em determinada empresa.
Essa
desconfiança é natural e totalmente compreensível,
o problema é quando esse comportamento se agrava e
o indivíduo desenvolve uma mania de perseguição.
"Ter desconfiança é uma coisa comum, pode
ser uma conseqüência de alguma experiência
ruim, o importante é avaliar a intensidade dessa sensação
e se ela é absurda ou não", explica o médico
Erlei Sassi Junior, do Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas, da USP.
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Na
psiquiatria, essa sensação de se sentir
perseguido é entendida como auto-referência
e aparece como sintoma em diversas patologias, entre elas
a esquizofrenia paranóide. "Esse paciente
tem como característica o fato de ser mais desconfiado
que as pessoas comuns, ele tem muito medo de ser enganado,
passado para trás", completa o psiquiatra.
Além do comportamento persecutório, o indivíduo
também pode apresentar alucinações,
visuais ou auditivas. Basta um círculo de colegas
de trabalho se reunir para o paranóide achar que
o grupo está falando mal ou tramando algo contra
ele, ou quando vê duas pessoas cochichando tem a
impressão de ouvir seu nome sendo citado. |
É
recomendável que o indivíduo que sofra com esse
tipo de delírio procure conversar com alguém
da área médica, mas mesmo isso pode ser um pouco
complicado. Apesar do prognóstico favorável
(responde melhor à terapia), o tratamento deste tipo
específico de esquizofrênico tem suas complicações.
"Os quadros delirantes em geral não tem uma redução,
ou seja, não adianta falar para o paciente que suas
impressões não são verdadeiras porque
ele vai acreditar que você também faz parte da
turma que está tentando enganá-lo", diz
o psiquiatra.
A
sensação de estar sendo perseguido pode até
ser ilusória, mas algumas vezes ela pode ser fruto
de uma situação real e traumatizante. É
algo semelhante ao que aconteceu com Joana (nome fictício),
funcionária do Centrinho, em Bauru. Em mais de 20 anos
trabalhando no mesmo setor, Joana relata que era vítima
quase diariamente de assédio moral. Segundo a funcionária,
sua chefe restringia seu potencial e freqüentemente tentava
prejudicá-la. Hoje, trabalhando em outra função,
ela se sente feliz e está se realizando profissionalmente,
mas ainda assim, continua se sentindo perseguida. "Eu
tenho a sensação de que vai chegar alguém
para ficar vigiando como eu estou trabalhando", desabafa
Joana. Ela vê esse sentimento como um fantasma em sua
vida, "é como se esse sentimento de fiscalização
estivesse cristalizado dentro de mim", conta.
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A
mania de perseguição excessiva também
pode indicar um quadro de transtorno de personalidade.
Nesse caso, o indivíduo apresenta um caráter
desconfiado e com tendência a distorcer os fatos
e muitas vezes interpretar atitudes amigáveis como
insultos ou manifestações de desprezo. No
campo conjugal, ela pode desencadear uma desconfiança
excessiva em relação à fidelidade
do parceiro, ou seja, um ciúmes exagerado e infundado.
É nesse ponto que o distúrbio passa a afetar
o indivíduo socialmente, defende dr. Erlei. "Tem
situações em que a desconfiança começa
a ficar mais intensa e ela assume uma proporção
negativa para o indivíduo e para quem ele mantém
contato social." O psiquiatra ainda pondera, dizendo
que quando não é exagerada essa supeita
pode até ser benéfica, e ainda alerta: "Confiar
demais também prejudica, mas desconfiar muito é
problema".![](images/fundo03.gif) |
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