texto: Circe Bonatelli
fotos: Jorge Maruta, Cecília Bastos e Francisco Emolo

arte sobre foto de Jorge Maruta

 

Ouça o Coralusp.
Missa Philippina, Frei Manuel Cardoso
Al dí, dolce bem mio, Filippo Azzaiaolo

 

©: Cecília Bastos
Nos tempos de censura, o maestro se inspirava no poeta alemão Brecht: “Podemos fazer uma arte política, mas para ser política de verdade, precisa ser muito bem-feita como arte. Senão não passa nada.”

 

©: Cecília Bastos
Carmen Silgueira trocou as partituras do coral do exército, onde se apresentava, pelas canções populares com o Coralusp em 1967. Aos 73 anos, cantora, coralista e avó, já escreveu dois livros de contos e crônicas em que narra fatos de sua vida. “Eu não posso falar da minha vida sem falar do coral”, acrescenta. “Até já pensei em parar por problemas de saúde, mas o maestro e o pessoal não deixam. Acho muito bonito o trabalho que fazemos. No começo, queríamos provar que estudante não faz só estudantadas. Hoje, não somos apenas um grupo que canta. Somos uma escola.”


Segundo o professor e maestro Benito Juarez, que comanda o Coralusp desde a fundação, em 1967, um coral com 40 anos de história no Brasil é tão antigo quanto um coral de 400 anos na Europa. No aniversário de quatro décadas, o Coral Universidade de São Paulo confirma os moldes de uma própria tradição. Embora não carregue o traço secular, essa tradição se fez com outros ingredientes: iniciativa e ousadia.

A idéia prima veio com a chamada “estudantada”. Na década de 60 e 70, o termo “estudantada” era o mesmo que bagunça adolescente-universitária ou, por um viés político, eram as ações tidas como subversivas. Se for assim, podemos afirmar que a parceria entre os alunos da Escola Politécnica (Poli) e as alunas da Escola de Enfermagem (EE) deu início a uma das bagunças mais profissionais e bem-sucedidas dos últimos 40 anos. Em 1967, o aluno José Luis Visconti, então presidente do Grêmio Politécnico, negociou a formação de um coro com a coordenação do maestro Benito Juarez, indicado pelos mestres da tropicália Rogério Duprat e Damiano Cozzella. Era o início do Coral da Poli, reunindo a massa de vozes masculinas que cursavam Engenharia, e as vozes femininas, da graduação em Enfermagem.

O começo foi precário. Ainda sem o suporte da USP, os estudantes tiveram que se desdobrar para bancar a dedicação de Juarez, que já era um profissional formado e precisava de salário, como qualquer pessoa. A solução da moçada, durante um ano, foi organizar uma força-tarefa para levantar recursos com a vendagem de um LP com quatro faixas gravadas pelo coral.

Os encontros do grupo eram realizados no auditório da EE e seguiam em um misto de diversão e compromisso. O Coral era um ponto de encontro para rapazes e moças – tem, inclusive, histórias de casamentos – além de professores, funcionários e comunidade externa com grande interesse pela música e pelo canto coral. A cada semana, seis horas eram dedicadas aos ensaios.

O gosto e seriedade foram reconhecidos com o Prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) em 1969, quando o Coral da Poli foi eleito o melhor do Estado. No ano seguinte, a Coordenadoria de Atividades Culturais da USP (ainda não existia a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão) abraçou o grupo, que ganhou suporte e o nome Coral Universidade de São Paulo.

O apoio institucional permitiu a ampliação do quadro de profissionais. Entraram regentes e membros da efervescência artística da época como Damiano Cozzella, Elizabete Rangel Pinheiro, Baldur Liesenberg e, mais tarde, Helena Starzynski.

“Essa equipe foi a mola mestra”, destaca o maestro Benito Juarez. “E foi uma situação muito atípica, porque conseguimos um ponto de convergência entre profissionais altamente qualificados. Certamente eram os melhores da época. Rapidamente o coro ganhou uma grande estrutura.”

Ex-aluno da Poli, Antônio Carlos de Melo trabalha como engenheiro e se dedica ao canto coral há 40 anos. No Coralusp, não se esquece da turnê pelos Estados Unidos em 1971. “Foi marcante, uma experiência e tanto”, diz. Melo também não se esquece dos ensaios no Crusp (Conjunto Residencial da USP) na mesma época. “O ensaio começava às 11h da noite. Um dia chegamos lá e encontramos uma viatura com pneus furados, reunião dos estudantes e tropa de choque a caminho. Como não tínhamos nada a ver com aquilo, fomos embora de fusca até a Avenida Jaguaré. E não passamos pela Avenida Politécnica. Ela nem existia ainda.”

página 1 | 2 | 3 seguinte >

   





web
www.usp.br/espacoaberto