Representada pela literatura, a Amazônia configura-se enquanto espaço fronteiriço, à margem da história, como se verifica em Inferno verde, de Alberto Rangel. Dessa obra, examina-se “Hospitalidade”, comparado, a seguir, com “Meu tio o Iauaretê”, de Guimarães Rosa. Embora, relativamente ao estilo e a estrutura, os dois contos sejam diferentes, expõem, ambos, um lugar noturno e selvático, com um homem extraviado no mato e com um assassino que lhe dá abrigo. Deste modo, Rangel e Rosa interrogam a hospitalidade num espaço banido e selvagem e propõem uma questão radical sobre o limite entre aquilo que é dentro ou fora da Lei. Questionam o limiar primordial separando e conjungindo, ao mesmo tempo, o humano e o animal.
O ensaio trata do conto "Meu tio o Iauaretê”, de Guimarães Rosa, tendo em vista as implicações e consequencias do parentesco do protagonista com o jaguar.
A certa altura da sua tateante “proseação”, da sua narrativa reticente, confessando aos poucos a sua metamorfose de homem em onça, o protagonista de “Meu tio o Iauaretê”, questionado evidentemente, pelo seu interlocutor, sobre a possibilidade de recuperar os seus cavalos que se espalharam pelo mato, ele responde: “posso não, adianta não, aqui é muito lugaroso”. Sabemos da preocupação com o espaço e com a sua de-finição que acompanha, de modo constante, a escrita rosiana e que se manifesta já no título da sua obra-prima entrecruzando e tentando combinar a grandeza do sertão com a tortuosa linearidade das veredas, ou melhor, a abertura infinita da dimensão sertaneja (onde “os pastos carecem de fechos”) com a vontade de desvendar a lógica que reparte em tantos lugares demarcados o inefável de um espaço sem limites, de um “lugar sertão” que, sem fim, “se divulga”.
Em "Meu tio o Iauretê" de João Guimarães Rosa temos a vercom a confissão, por parte de um mameluco, da sua metamorfose dehomem em onça. No fim da sua fala ele é morto pelo seu interlocutormudo. A partir deste conto “impossível”, vai ser investigada a relaçãoentre a morte e a linguagem. No texto rosiano, de fato, não descobrimosapenas o parentesco essencial entre a phoné e o lógos que nela se dobra,mas nos aproximamos, sobretudo, do limiar último em que a voz seconfunde com o silêncio, em que o humano reencontra a sua essênciadesumana. Temos a ver, nesse sentido, com aquele que Giorgio Agambendefine como a "testemunha integral", ou seja, com quem se coloca nolimite insituável entre a vontade de dizer e a sua impossibilidade.
O intuito deste texto é pôr em questão a persistência do ?pensamento trágico? em Grande sertão: veredas, a partir de uma reflexão sobre o estatuto essencialmente (i.e., ontologicamente) aporético da obra de João Guimarães Rosa. Romance da espera, de fato, ele se inclui por completo naquele lugar "terceiro", suspenso entre esperança e desespero, que se delineia no interior de qualquer contradição e que constitui, desde sempre, o logos da tragédia.
O surgimento dos catrumanos, em Grande sertão: veredas, desencadeia uma série de reflexões pessimistas e de pressentimentos apocalípticos por parte de Riobaldo. A partir da análise deste episódio e dos outros em que está envolvida aquela gente de “estranhoso aspecto”, é questionada a possibilidade de aplicar a figura jurídica do “estado de exceção” não só aos catrumanos mas também ao personagem de Zé Bebelo, que parece ter com eles uma relação peculiar, baseada, justamente, numa exclusão radical e fundadora.
Em Grande sertão: veredas, o tempo da estória aparenta, por um lado, abolir o tempo histórico e, pelo outro, resumir, dentro de si, a História toda. Os limites textuais se tornam, por isso, as margens ilusórias dentro das quais se encena - ou melhor, encontra o seu espaço e o seu tempo improváveis- uma dialética histórica paradoxal e inacabada, produto, por sua vez, de uma mistura inextricável de cronologias e detopologias diferentes ou até divergentes, cujo centro é ocupado apenas pela neutralidade daquilo que é duas coisas ao mesmo tempo (e no mesmo lugar), sem ser, porém, nem uma coisa nem outra. O tempo da narraçãoq ue, no ato de se fechar, se reabre sem fim, corresponde, nessesentido, a um espaço que o na rrador tenta abarcar e abraçar dentro deuma definição, mas q ue se subtrai todavia a qualquer localização. A presente comunicação procurará justamente investigar a(s) forma(s)do Tempo na obra-prima de Guimarães Rosa e a relação peculiar entre Geografia e História que nela se engendra.
No romance Grande sertão: veredas, o encontro com os catrumanos provoca, em Riobaldo, pensamentos em que se misturam piedade e medo. As suas considerações e o tratamento que ele vai reservar a eles enquanto Urutu-Branco chegam a delinear, para esses "homens de estranhoso aspecto", um quadro complexo e ambivalente de relações de força e de poder, ligando, num aparente paradoxo, aquela "raça diverseada distante" com o personagem de Zé Bebelo. O fio unindo esses dois extremos pode ser identificado num ?estado de exceção? que, de forma espe- cular, coloca na mesma situação de anomia, de exterioridade em relação à lei sertaneja, tanto o emblema da lógica política quanto as vítimas-algozes de uma biopolítica que o Poder inclui no seu discurso com o mesmo gesto com que as exclui.
Apesar de alguns contos das Primeiras estórias terem sido escritos em momentos diferentes, a moldura que os enfeixa e os torna coerentes leva a olhá-los e a interpretá-los numa perspectiva eminentemente histórica, conectando o livro que os contém ao seu presente. O meu ensaio tenta, justamente, mostrar como Guimarães Rosa leia a sua contemporaneidade a partir dum anacronismo: duma “arqueologia” que se apresenta enquanto sistema hermenêutico duma época marcada pela exaltação do progresso. A fundação duma nova Pátria, simbolizada e depois concretizada na fundação duma nova Capital, leva, nesse sentido, o escritor a interrogar ainda – e como sempre – um passado recalcado para compreender o presente, sublimando ou revelando em palimpsesto a sua ideia duma comunidade “excogitada das camadas angustiosas do olvido”.
Ettore Finazzi-Agrò, professor de Literatura Portuguesa e Brasileira da Universidade de Roma La Sapienza, conta como iniciou os estudos em nossa literatura, por meio do “encontro deslumbrado” com a obra de Clarice Lispector: “passar de um desassossego a outro, da inquietação pessoana à desistência clariceana foi, para mim como para G.H., uma verdadeira revelação, ou talvez, um phármakon, um veneno-remédio”. Mais de três décadas depois desta descoberta, Finazzi-Agrò tem dois bons motivos para celebrar os frutos de sua dedicação às literaturas de língua portuguesa. Recentemente, sua produção acadêmica e sua militância na divulgação de nossa cultura alcançaram um reconhecimento especial: a concessão do título de “Doutor Honoris Causa” da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Além disso, o crítico publicou em 2013 Entretempos. Mapeando a história da cultura brasileira (Unesp), em que submete o corpus da poesia e da prosa brasileira a perspectivas epistemológicas da contemporaneidade a fim de “entender como funciona o tempo brasileiro” num “emaranhado temporal e narrativo em que sertão e cidade, interior arcaico e costa modernizada se enfrentam, se entrecruzam e se influenciam mutuamente”.