Este artigo examina as obras de João Guimarães Rosa, Mário de Andrade e João Simões Lopes Neto com o objetivo de verificar em que medida pontos de contato identificados na ficção desses autores promovem rearranjos na série literária brasileira. O estudo parte da noção de tradição literária, tal qual formulada por T. S. Eliot e Jorge Luis Borges, e, em seguida, procura mapear a ocorrência de ressonâncias das principais obras de Mário de Andrade e Simões Lopes Neto na literatura de Guimarães Rosa. Assim procedendo, pretende averiguar como a obra de Guimarães Rosa ressignifica os textos de Mário de Andrade e Simões Lopes Neto, renovando sua legibilidade e modificando sua posição no campo literário.
O artigo mostra reflexões sobre o erotismo e a inutilidade (BATAILLE, 2017; ANTELO, 2017), e sobre o absoluto (EINSTEIN, 2019) e suas consequências — como as reduções generalizantes (KRENAK, 2019; IMBASSAHY, 2019); partindo de uma análise dos significantes relacionados a flores — especialmente dos nomes de três personagens mulheres, Carmela e duas Rosas: Carmela, quase uma camélia; uma Rosa (simplesmente Rosa) de Mário de Andrade, que é uma “Rosa aberta”, no botão; e outra Rosa (Rosalina) de, também, um Rosa, Guimarães Rosa, esta na “desflor”. As três têm dentro e fora de si possibilidades de um reflorescimento. São estas personagens — d’A estória de Lélio e Lina, de João Guimarães Rosa (1978), e do livro “Os Contos de Belazarte”, de Mário de Andrade (1980) — que permitem uma ampla leitura do significante “rosa” (uma das mais famosas flores do mundo) e, por extensão, do significante “flor”. Isto é, uma leitura das estórias destas personagens permite quebrar a ideia do absoluto, e da forma que se representa a flor. As flores estão, deste modo, muito menos para formas estáveis do que para forças: há, em cada uma delas, formas infinitas, instáveis e indefinidas, como pontua o filósofo italiano Emanuelle Coccia (2018).
Este texto tem como objetivo revisitar o livro Escrever sobre escrever. Uma introdução crítica à crítica genética (AUTORES, 2007), mostrando uma nova visão histórica da disciplina e, principalmente, novas propostas interpretativas. Para isso, lançamos mão de discussões recentes dentro da crítica genética francesa e tentamos um dialogar com as propostas teóricas de Foucault, Bourdieu e Maingueneau, procurando uma visão de gênese mais ampla e menos descritiva. No final, recorremos a alguns exemplos de escritores brasileiros, como Machado de Assis, Mario de Andrade e Guimarães Rosa, para mostrar particularidades dos arquivos locais e as suas possibilidades de interpretação.
A literatura brasileira, passada em revista pelos historiadores da literatura, apresenta temas de variada identificação do brasileiro em diversas manifestações nativistas: Indianismo, Sertanismo, Regionalismo e Nacionalismo. Desde os primeiros textos literários, ainda em escritores com formação erudita, em Portugal, os historiadores detectam a condução do homem nascido no Brasil, emoldurado pela geografia, fauna, flora, língua e pelos costumes, à sublimação estética. Assim, em gêneros diversos: narrativa, poema épico, sátiras poemática e epistolar e teatro, encontram-se discursos definidores dos elementos particulares de uma nação, a determinar suas diferenças e autonomia em face de outras culturas. Este estudo evidencia as correspondências entre o desenvolvimento histórico nacional e sua expressão na linguagem literária. O tema nacional ocorre desde a lírica catequética de Anchieta, passando pela revisão modernista dos temas urbanos e rurais, recorrentes no cânone literário brasileiro.
Este texto propõe que no coração da literatura brasileira encontra-se o pulsar de uma escrita auditiva, elaborada por autores que “escrevem de ouvido”. O objetivo é conceituar o termo “escrita de ouvido”, e descrever a forma que assume na prosa de ficção, em especial no romance. Machado de Assis, Clarice Lispector e Guimarães Rosa são os escritores centrais dessa pesquisa, que também se aplica a outros escritores-chave como Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Graciliano Ramos. Pensa-se pois o ouvido como um terceiro termo para além da dicotomia entre a fala e a escrita, o romance, como um espaço de escuta, e a autoria, como um lugar de recepção mais do que de producão. Busca-se assim contribuir para uma poética da ressonância e uma história aural da literatura escrita em português com acentos multilíngues.
Este artigo se propõe a relacionar duas abordagens teóricas produzidas no âmbito do pensamento de três teóricos do século XX. São eles Mikhail Bakhtin, Gilles Deleuze e Felix Guattari, cujas abordagens dão conta da produção do discurso romanesco e da literatura menor em contextos culturais não hegemônicos. Bakhtin concebe o funcionamento do discurso romanesco pelo aproveitamento de uma dicção familiarizada com o menor, com o baixo, com a língua que ecoa na rua e não nos salões ou vozes aristocráticas; já a literatura menor de Gilles Deleuze e Felix Guattari é apresentada como o uso menor e hierarquicamente desprestigiado que uma minoria faz no seio de uma língua reconhecida culturalmente como superior.Da associação proposta aqui resulta a reflexão de que uma literatura produzida em meio não hegemônico se dá pela ativação de uma força linguística resultante do uso da língua que uma minoria faz em uma língua maior; estende-se essa percepção ao modo de realização literária que uma comunidade de produtores pertencentes a um grupo não hegemônico faz frente ao já avaliado criticamente em contextos culturais dados como mais relevantes histórica e culturalmente.