No conto de Tutaméia “Reminisção”, Romão demonstra amor incondicional por sua mulher. No final, ela transfigura-se abraçada ao marido que “morre”. O conto oferece uma alegoria parodística da função de Rosa, o autor que supera a sobredeterminação da literatura brasileira ao regionalismo e às cópias falsas de modas estrangeiras. O índice de Tutaméia assinala alguns contos que metaforizam o ponto de vista de João Guimarães Rosa sobre a ordem na qual participa e intervém. Parece-me que o conto “Reminisção” oferece o ponto de vista de Rosa a respeito da função de seu nome de autor regional-universal, na evolução da história da literatura brasileira. Para estudar o modo como essa função se constituiu, considero a contribuição decisiva de Antonio Candido, a partir da estreia do ficcionista nos anos de 1940 e também no ensaio dos anos de 1970 que o consagra escritor superregionalista latino-americano. Para analisar “Reminisção” como alegoria parodística da função de autor regional-universal, separo o conto em três partes correspondentes a três fases de evolução da história do regionalismo; depois analiso o modo como o vocabulário exótico do conto contribui na indeterminação de seu sentido, e proporciona ao leitor a materialidade dos contornos da metafísica da superação pressuposta na função transfiguradora parodiada.
O conto “Reminisção” de Tutaméia alegoriza a autoria com a paródia da teoria platônica das reminiscências que pressupõe um sentido superior como fundamento das formas dos gêneros. Romão casa-se com uma mulher que a cidade satiriza. No final, morre nos braços dela que se transfigura na imagem canonizada de Nhemaria. A representação torna-se hagiográfica desde que Romão morre ou finge morrer com um sorriso verossímil capaz de validar a ficção de uma unidade que produz indeterminação ou deforma a dualidade clássica de forma e fundo. A deformação faz-se como paródia da forma que, segundo Bakhtin, resulta da relação do autor com a personagem; relação que regula a exigência clássica de exotopia com dialogismo e transgrediência. O autor dá acabamento à forma dotando-a de autoridade semelhante à do coro, pluralidade de sentidos, que radica a representação na vida social. A morte de Romão corresponde à do autor de um cânone fingidor.
A análise de "Desenredo", "Reminisção", "Orientação" e "Palhaço da boca verde" se fará a partir de três invariantes básicas: a problemática amorosa, o caráter de representação evidente nos contos e a presença do humor, invariante principal de Tutaméia.
Neste artigo, faz-se uma abordagem dos contos "João Porém, criador de perus", "Grande Gedeão" e "Reminisção", incluídos na segunda seção de Tutameia, de Guimarães Rosa. Enfeixados por um prefácio comum (intitulado "Hipotrélico"), que de algum modo os caracteriza, verifica-se entre eles certo número de simetrias de construção que, somado à presença de um senso de humor ora sutil, ora declarado, sugere práticas de linguagem do autor que se repetem também noutros livros. Nesses contos, a fábula, confundida com a anedota, é o elemento que desloca a possibilidade do “falar a sério”, em que a narrativa ameaça enredar-se, para as celebrações do imaginário, no qual se opõem a estória e a história, numa trama de insinuações, contradições e paradoxos que permite apontar para aquilo que o autor denomina de suprassenso. Ali, a linguagem assume a tarefa de operar com os planos do sentido e do não sentido, aproximando-os ou distanciando-os, de modo a tocar aquilo que o dizer, em sua dimensão de senso (e senso comum), proíbe, posterga ou escamoteia.