Recatado e introvertido, avesso a expor-se publicamente, raras foram as vezes em que Guimarães Rosa concedeu entrevistas ou falou sobre sua vida e obra, como por exemplo nas famosas entrevistas que lhe fizeram Günter Lorenz e Fernando Camacho, ou nos depoimentos resultantes de conversas fortuitas que com ele tiveram Renard Perez e Emir Rodríguez Monegal. No entanto, em seu último livro publicado em vida – Tutameia – o autor, dividindo-o em quatro partes, fez preceder cada uma delas de um prefácio que, juntos, têm sido frquentemente considerados pela crítica como uma espécie de ars poetica, em que apresenta e discute alguns dos aspectos mais relevantes de sua concepção estética: a oposição entre “estória” e “história” e a noção de coerência interna da obra de arte, a criação de neologismos, a relação entre a obra e o mundo do autor, e os problemas da criação estética. Este livro, cujo título significa, de acordo com o próprio Rosa, “nonada, baga, ninha, inânias, ossos-de-borboleta, quiquiriqui, tuta-e-meia, mexinflório, chorumela, nica, quase-nada; mea omnia”, é uma coleção de contos bastante curtos (a maioria deles de três a quatro páginas), que constituem talvez a sua maior realização em termos de depuração do estilo. Com o intuito de explorar um pouco mais “esse mar de territórios”, na expressão do próprio autor, contido nos prefácios, optamos por revisitá-los neste texto, detendo-nos separadamente em cada um deles.
Este trabalho pretende mostrar uma das possíveis leituras de “A escova e a dúvida”, um dos quatro prefácios da obra rosiana Tutaméia. Aqui, o escritor, munido de observações do seu cotidiano, de lembranças do passado e da infância, memórias das viagens pelo interior do sertão, deixa inferir inúmeras formas de entendimento e da função de um livro e do escritor, definindo o campo escritural como interação de inúmeros sentidos e identidades que se cruzam.
Este texto tem como finalidade a apresentação de uma proposta do que seriam os mecanismos criadores da obra de Guimarães Rosa. Para tanto, focaliza o conteúdo de dois prefácios do livro Tutaméia, pondo em dúvida a sinceridade do que está no "Sobre a escova e a dúvida" mas considerando as colocações de "Aletria e hermenêutica" como preciosas formulações sobre o processo da criação poética.
De maio de 1965 a julho de 1967, Guimarães Rosa publicou pequenos contos no jornal médico Pulso, do Rio de Janeiro: editado pelo laboratório de Sidney Ross; dirigido pelo doutor Roberto de Souza Coelho, que circulou entre médicos do Brasil inteiro. O autor mineiro enviou 56 contos para o Pulso, dos quais 44 foram republicados, com algumas modificações, em sua derradeira obra Tutaméia (1967). A inovadora publicação, possui quatro prefácios, e “Sobre a Escova e a Dúvida” é o derradeiro destes, este texto foi publicado primeiramente no jornal Pulso em 15 de maio de 1965. O persente trabalho tem como escopo fazer uma leitura hermenêutica da problematização referente à criação literária apresentada pelo autor mineiro no referido texto, ressaltar-se-á neste Prefácio, o fazer literário rosiano, observando nele, sua visão poética da realidade. Neste texto, como afirma, (SIMÕES, 1988) “chega-se ao ponto central da poética do autor: a função da literatura.”. Neste diapasão, entende-se que este prefácio pode ser o ponto de partida para as indagações do autor em torno da literatura. Assim, esta obra enigmática precisa ser estudada em seu diálogo metalinguístico sobre a expressão literária como um plano metafísico que rompe com os planos da lógica. Como referencial teórico para esta análise utilizaremos (ANDRADE, 2004), (COVIZZI, 1978), (NOVIS, 1989).
Tomando a figuração-representação do escritor em um dos prefácios de Tutaméia, busca-se problematizar os fluxos envolvidos na criação artística, considerando não apenas a interioridade ou exterioridade dos mesmos, como também a sua natureza ordinária ou extraordinária. Busca-se, então, estabelecer um diálogo entre tais dimensões, o conceito de porosidade poética e a perspectiva fenomenológica de Merleau- Ponty, com vistas ao desvendamento do lugar do escritor, tal como figurado na obra rosiana.
A verificação da constituição do livro como objeto requer estudos sobre a história da composição do livro como tal. Até estruturar-se da maneira como o conhecemos o livro passa por diversas etapas em sua dimenão material, dentre elas: os paratextos, a parte pré textual, organizacional de uma publicação. Conhecer os detalhes dessa estrutura editorial contribui para a organização e a leitura de uma obra. No entanto, há autores que usam da transgressão da norma para buscar o espírito artístico. Os prefácios da obra Tutameia de João Guimarães Rosa suscitam a questão essencial deste trabalho: a transgressão do autor os torna os prefácios da obra textos ou paratextos? A trajetória para a efetiva publicação da obra mostra o quão criterioso o autor foi na sua revisão editorial e quão importante é para o leitor entender esse processo.
O presente trabalho constitui uma investigação dos quatro prefácios de Tutaméia: Aletria e hermenêutica, Hipotrélico, Nós, os temulentos e Sobre a escova e a dúvida. Os textos que aparecem no primeiro índice e no corpo do texto mesclados às outras estórias, em um segundo índice, são separados sob a indicação de prefácios. Sob disfarces de ficção, os prefácios teorizam e ilustram o fazer literário. Buscar a reflexão teórica diluída ao longo dos prefácios institui-se como o objetivo da investigação aqui proposta.