Duas serão as nossas ocupações no artigo: 1) demonstrar a permanência do Guimarães-poeta de Magma, 1936, na criação da fauna e flora de Sagarana, 1945; 2) explicitar a importância dos trechos paisagísticos para a organicidade dos contos, não podendo ser considerados interrupções, cortes ou entidades de menor valor. São Marcos merecerá uma atenção maior, por deter-se mais na paisagem. Estaremos fazendo referência a outras narrativas do primeiro livro de prosa de Guimarães à medida que encontrarmos nelas exemplos elucidativos. Analisaremos poemas de Magma, apontando como procedimentos poéticos empregados aí pelo autor aparecem de igual modo em Sagarana.
No presente artigo analisamos o conto "Substância" de "Primeiras Estórias". Nossa atenção concentra-se nos pares de contrários eu/outro, masculino/feminino, razão/emoção, repouso/movimento que no final do conto são harmonizados. A problemática dos contrários preocupou o homem desde seus primórdios. Assim, já a encontramos nos mitos primitivos, nos primeiros filósofos gregos, como em Heráclito, por exemplo. Modernamente, os contrários ocuparam a atenção de Hegel em sua dialética e a de Jung em sua psicologia, levando-o a voltar-se para a mitologia. Em nossa análise, portanto, serão recorrentes as referências à mitologia, à filosofia e à psicologia junguiana. O título do artigo é tomado de empréstimo ao próprio conto que ora consideramos. Propositalmente escolhemos este sintagma, "um-e-outra", já que nele temos dois pares de contrários: eu/outro, masculino/feminino que são harmonizados, formando assim uma só substância.
Acompanharemos os ciclos de desenvolvimento de Miguilim aproximando os problemas enfrentados por ele com esta questão filosófica: o fundamento dos nossos juízos bonito/feio, certo/errado. Ela se desdobra nesta outra, não menos filosófica: a validade ou não das categorizações dicotômicas com que apreendemos a realidade, já que a divisão é da lógica e não da realidade. Quatro episódios da trajetória do menino ocuparão o centro de nossa análise: discussão se o Mutúm é lugar bonito ou feio; desejo de obter aprovação e evitar censura ao atravessar por entre vacas; vontade de saber se é malfeito ou bem-feito entregar à Mãe o bilhete de Tio Terêz; luto da morte do Dito e seu fracasso de tentar encontrar o vivo no morto.
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Letras
O objeto desta tese é Corpo de baile (1956), de Guimarães Rosa, a qual resolve dois problemas: o da unidade da obra (formada de sete estórias) e o da sua relação com os romances de Jorge Amado e José Lins do Rego. A análise baseia-se na Antropologia e na Psicologia. Definições de magia, religião e ciência e relações entre elas provêm de Frazer, Tylor, Nina Rodrigues, Bastide e Prandi. Descrições e interpretações das religiões são tomadas dos estudos sobre cultos afro-brasileiros. Iniciados por Nina no final do século XIX, expandiram-se, a partir da década de 30, com as contribuições de Arthur Ramos, Edison Carneiro, Gonçalves Fernandes, Waldemar Valente, Câmara Cascudo e Mário de Andrade, os quais também embasam esta tese. Esse período coincide com o da publicação das obras literárias que constituem o corpus analisado ('30-56). A estruturação da Universidade no Brasil transferiu para professores do ensino superior a tarefa de efetuar as pesquisas antes feitas por médicos e folcloristas. A consolidação dos Programas de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia transformou-os em espaços de ciência que hoje produzem os saberes sobre religião e magia, motivo pelo qual trabalhos vindos daí integram nossa plataforma teórica. Da parte da Psicologia, Freud e Jung apoiaram-se na etnografia e na antropologia do fim do XIX e início do XX para teorizarem sobre neurose e psicose, consciente e inconsciente e constituirem técnicas psicoterápicas. Ambos assumem que a religião é realidade antes psicológica que teológica (formada da projeção de conteúdos internos), que as leis da associação de idéias subjacentes à magia são as mesmas que subjazem às produções do inconsciente (sonhos, neuroses), que a ciência não suprime a magia e a religião. O trabalho estrutura-se em cinco capítulos. O primeiro apresenta os conceitos nucleares e caracteriza formas religiosas presentes nas obras literárias. Não esgota a teoria; definições e caracterizações de sistemas de crenças importantes para entender uma obra específica serão dadas quando a análise o exigir. O segundo resolve o problema da unidade. Por ser esta uma tese sobre Corpo de baile, será o mais extenso, em virtude da necessidade de mostrarmos os laços entre uma e outra narrativa. O terceiro e o quarto preparam a resolução do segundo problema, apresentada no quinto. Nas obras, a magia soluciona problemas de saúde, amor e negócios; expressa-se na forma de feitiço, rezas bravas e cerimônias. Quanto às religiões, representam-se o catolicismo (popular, oficial e messiânico), os cultos afros (jeje-nagô e banto), o candomblé de caboclo e o catimbó. Espiritismo é mencionado de passagem em duas obras apenas e a umbanda não aparece. Em função disso, considerações teóricas sobre elas serão menores, visando esclarecer, pelo contraponto, as outras. Todas as expressões religiosas mostram-se em seu lado mágico. A ciência figura ao lado da magia e da religião, às vezes isolada, mas nunca entronizada como visão de mundo privilegiada.