A interpretação canônica do conto “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, nos fala da existência humana diante da morte. O pai morre (a canoa é o caixão) e vai para a dimensão transcendente ― a terceira margem do rio. O filho permanece fiel à memória do pai, recusandose a esquecê-lo e, portanto, recusando-se a aceitar a morte do pai e a sua própria morte. Gostaria de propor uma interpretação diferente fazendo uma análise intertextual com o poema de Fernando Pessoa, “Navegar é preciso;
viver não é preciso”. Fernando Pessoa recebeu influência do existencialismo de Heidegger e de Sartre. Nesta interpretação, o conto de Guimarães Rosa é uma metáfora da condição humana. A terceira margem é simultaneamente o não-lugar da loucura e dos projetos de vida. O não-lugar não se confunde com nenhum lugar, pois ele indica um lugar que ainda não existe concretamente, mas que existe enquanto significador das ações existenciais. Eu estou direcionado para este lugar. Assim, o pai insiste em fixar o seu projeto individual (a canoa) em um rio que não para de correr (a finitude da vida; o transcorrer da temporalidade). Esta é a característica marcante da existência humana: a tentativa de enraizamento no fluxo contínuo do tempo vivido. Permanecer na mudança; fixar o transitório; banharse duas vezes no mesmo rio (segundo Heráclito, isso seria impossível, pois o rio já não é o mesmo, assim como você mesmo). Segundo Pessoa, viver não é necessário; o que é necessário é criar. Diante de uma existência humana sem nenhum sentido a priori, só nos resta criarmos, nós mesmos, um sentido para ela, através de um projeto de vida, mesmo que esse projeto seja ficar navegando no mesmo lugar de um rio.