A história imprime seus vestígios nas coisas, e através dos vestígios, dos rastros, a arte capta uma origem vacilante, composta não apenas de história, mas também de toda lamentação dos esquecidos por ela. Esse artigo propõe uma relação entre dois textos que tratam dessa incisão na história: o conto “Meu Tio O Iauaretê” de João Guimarães Rosa (1968) e o livro sobre o mito tupinambá “Meu Destino é Ser Onça” de Alberto Mussa (2009). A literatura que abre-se a esses esquecidos faz mais que oferecer sua vida e suas histórias, ela oferece seus olhos para que vejamos o mundo lá fora com a alma daqui de dentro: como um animal. Esse é o destino da literatura: virar onça para poder farejar vestígios e revelar sobrevivências.
Centro de Comunicação e Expressão. Programa de Pós-Graduação em Literatura.
Nas tramas da literatura, história e linguagem se entrelaçam e se desconstroem a todo tempo. Em cada leitura, um novo enlace ocorre e mais sentidos saltam do papel para que mundos possíveis sejam criados e novas vidas sejam experimentadas. A proposta desta pesquisa concentra-se no conto Meu Tio o Iauaretê, de João Guimarães Rosa, por um viés não antropocêntrico, extra-ocidental e com olhar direto na onça e no tupi. Desta forma, é possível aproximar a literatura e o pensamento indígena através da teoria do perspectivismo e da filosofia contemporânea que evidencia o animal-em-si. Entende-se, assim, a ética animal como um ideal de subjetividade que compõe uma política das diferenças, não para encaixotá-las sistematicamente, mas para respeitá-las na sua eterna heterogeneidade. E é considerando as infindas possibilidades de interpretação do conto de Rosa, que consideraremos esta como mais uma forma possível de leitura, onde história, ficção, animal, homem e escritura se misturam para borrar fronteiras, ecoar vozes e perseguir rastros.