Em sua vasta obra, Antonio Candido defende de maneira consistente a compreensão da literatura como um fator de humanização. Essa noção parte de um pressuposto evolucionista que associa humanização a civilização e segundo o qual diferentes grupos de pessoas estariam em diferentes estágios de desenvolvimento, sendo mais civilizados aqueles que superaram um estado de simbiose com a natureza. De acordo com essa perspectiva, a literatura desempenharia um papel fundamental no processo de distanciamento entre o homem e o mundo natural. O objetivo deste ensaio é confrontar a visão de Candido a duas narrativas de Guimarães Rosa: Meu tio o iauaretê (1961) e A terceira margem do rio (1962), para problematizar a função humanizadora da literatura advogada pelo crítico.
O presente artigo propõe uma leitura de Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa, sob a perspectiva das “poéticas do mal”. Partimos de observações e descrições feitas em um artigo anterior, em que demonstrávamos ser o medo um elemento temático e estrutural fundamental no romance rosiano. Dando continuidade a essa abordagem, nossa proposta é considerar especificamente a violência, tanto em sua dimensão temática quanto em sua função formal na narrativa. A hipótese a ser desenvolvida é que a violência também se configura como um elemento essencial da história de Riobaldo, não possuindo em si mesma um valor positivo ou negativo, uma vez que surge ora como um produto dos receios experimentados pelo protagonista, ora como um meio de conciliar e superar os seus temores.
Em suas manifestações iniciais, a literatura na América Latina desempenhou um papel determinante no processo colonizador, funcionando muitas vezes como expressão dos padrões culturais do colonizador. Conforme desenvolveu-se, entretanto, a produção literária latino-americana possibilitou uma resistência às tendências colonizadoras, promovendo o resgate e revalorização de elementos característicos das tradições culturais nativas do continente americano. Esse papel de resistência foi amplamente estudado pelo crítico uruguaio Ángel Rama, sobretudo em seus escritos sobre a transculturação narrativa, conceito formulado a partir das contribuições do antropólogo cubano Fernando Ortiz. Rama mostrou-se particularmente interessado pelo modo como alguns escritores latino-americanos rearticularam no âmbito ficcional os aspectos próprios das tradições populares das regiões rurais da América Latina, criando a partir da fala dos habitantes do interior uma linguagem literária mais apropriada para expressar a visão de mundo engendrada por esses elementos culturais. Um dos autores estudados por Rama é Guimarães Rosa. De fato, os pontos centrais da proposta poética do escritor mineiro vão ao encontro do conceito de transculturação desenvolvido pelo crítico uruguaio. Nesse sentido, a proposta deste artigo é analisar o conto “Meu tio o iauaretê” (1961) para explicitar os procedimentos de transculturação narrativa empregados por Guimarães Rosa. O objetivo é explorar a partir da obra rosiana o papel de resistência cultural desempenhado pela literatura latino-americana, mostrando como o conto contribui para uma reafirmação e valorização de elementos próprios da cultura indígena frente a problemática da colonização.